29/11/2007

Lembranças

Há uma passagem na Bíblia que diz que o homem segue errante em seus descaminhos por ter-se esquecido de quem ele é, por ter esquecido do seu nome. Mostrando aqui uma espécie de nominalismo que identifica no nome da coisa sua própria essência, ie, ou homem ao esquecer seu nome esqueceu quem é.

E isso me lembra os gregos. Porque em grego, verdade se diz: alethéia; que se deriva de lethé, que em português significa esquecer. Com a colocação do prefixo a, que em grego é um afixo que indica negação. Então, para os gregos, a verdade é o não-esquecido. Isso vai bem de acordo com a teoria platônica da reminiscência, do conhecimento inato, ie, conhecimento adquirido antes do nascimento, como se cada homem viesse à vida tendo todo o conhecimento prévio. Mas por algum trauma violento que seja viver, o homem se esquece, se separa da verdade.

Então, como foi dito em algum escrito de João, se não me engano, "conheça a verdade, e a verdade te libertará". Pode ser interpretado como: "recorde-se da verdade e recobre a sua liberdade.

28/11/2007

Galo Galo

o galo é, entre os gregos antigos, símbolo de vigilância. Um dos melhores poemas que se pode ler:



O galo
no saguão quieto.

Galo galo
de alarmante crista, guerreiro,
medieval.

De córneo bico e
esporões, armado
contra a morte,
passeia.

Mede os passos. Pára.
Inclina a cabeça coroada
dentro do silêncio
- que faço entre coisas?
- de que me defendo?

Anda.
no saguão
O cimento esquece
o seu último passo

Galo: as penas que
florescem da carne silenciosa
e o duro bico e as unhas e o olho
sem amor. Grave
solidez.
Em que se apóia
tal arquitetura?

Saberá que, no centro
de seu corpo, um grito
se elabora?

Como, porém, conter,
uma vez concluído,
o canto obrigatório?

Eis que bate as asas, vai
morrer, encurva o vertiginoso pescoço
donde o canto rubro escoa.

Mas a pedra, a tarde,
o próprio feroz galo
subsistem ao grito.

Vê-se: o canto é inútil.

O galo permanece - apesar
de todo o seu porte marcial -
só, desamparado,
num saguão do mundo.
Pobre ave guerreira!

Outro grito cresce
agora no sigilo
de seu corpo; grito
que, sem essas penas
e esporões e crista
e sobretudo sem esse olhar
de ódio,
não seria tão rouco
e sangrento

Grito, fruto obscuro
e extremo dessa árvore: galo.
Mas que, fora dele,
é mero complemento de auroras.
(F.Gullar)

26/11/2007

Ciclo Infinito

"porque o pequeno é também infinito"
"em cada coisa existe uma porção de cada coisa."
(Anaxágoras de Clazômena)

Segundo a crítica, a obra do argentino Jorge Luís Borges tem como tema recorrente o infinito, tanto espacial quanto temporal, e carrega a idéia de Deus como um círculo cujo centro está em toda parte, e a circunferência em lugar nenhum.

Diante disso, vamos a dois versos do penambucano, Manuel Bandeira:

"Eis-me centro finito
do círculo infinito"

O termo "holografia" vem do grego holos: todo, inteiro; e graphos: sinal, escrita. Num pequeno pedaço de um holograma (do grego: gramma: letra) existem informações sobre toda a imagem registrada a partir de um certo ângulo. Pense numa janela coberta por um pano preto com apenas um pequeno furo. Um espectador pode enxergar toda a paisagem do outro lado; sob um ângulo muito restrito, é verdade, mas ainda assim toda a paisagem que se vê quando a janela é descoberta.

Com isso, concluí-se que o infinito se mostra no infinitesimal. Que podemos ver Deus, num poeta, num verso desse poeta, ou em qualquer outra coisa ou pessoa? Panteísmo? Imanentismo? Rotulismo? Etiquetismo? - Não sei, pergunte aos poetas eruditos e aos narradores fantásticos, e não se acanhe se forem eles nordestinos ou argentinos.

Sorte de hoje: uma curva infinita é como uma reta. (Lembre-se que ao andar pelas ruas retas e dobrar suas esquinas, você está de fato caminhando sob a superfície curva da terra.)

E como disseram, ou pintaram, Nietzsche e Picasso: depende do ângulo, do ponto de vista, da interpretação, da perspectiva.

E o último adendo: dizer, como disse Manuel Bandeira: "círculo infinito", ou dizer, como disse JL Borges: "circunferência em lugar nenhum", é equivalente. E como disse JL Borges, Deus é o centro que está em toda parte. E como disse Manuel Bandeira, cada coisa é um centro. O que equivale a dizer que Deus é todos os centros que nós somos. E cada um de nós é só um dos infinitos centros que é Deus.

Algum louco, muito doido, que algum dia viesse ler esse blog, poderia fazer a crítica dos estruturalistas de que o todo não é a simples soma das partes, é mais que isso, pois as interações, as relações entre as partes, as levam além delas mesmas. Isso explicado assim por mim. E além disso, Godël provou matematicamente, e isso eu não faço idéia, que qualquer parte de um sistema é incapaz de comprender integralmente o sistema de que faz parte.

Então, partindo brilhantemente dos motes de Manuel Bandeira e Jorge Luís Borges, chego brilhantemente à minha brilhante conclusão metafísica: somos parte divina e, justamente por isso, não compreendemos toda a divindade.

Chega.

12/11/2007

Amor

Um texto lindo sobre a distância.


"Na mensagem estava escrito: último aniversário da mamãe.

Um ano se passou e ainda lembro daquele dia como se fosse ontem. Àquele dia, um dos piores dias da minha vida.

Quatro de outubro de dois mil e seis, nove horas da manhã. Era aniversário da minhã mãe e como de costume fizemos um "café da manhã animado", cantáva-mos parabéns, quando o telefone tocou.

Minha tia aos berros (como sempre) e aos prantos ( como nunca) , mal conseguia explicar o que estava acontecendo. Saímos depressa, ainda deu tempo de encontar minha irmã pelo caminho, fomos todos juntos á casa dela.

Estava preocupada, porém não achava que a coisa era tão séria. Tudo naquele dia dera errado. Procuramos uma vaga para estacionar o carro, mas não havia uma sequer.

Deixamos nossos pais na porta do prédio e rodamos por mais de quinze minutos, quando então cruzamos com uma ambulância COMPLETAMENTE PERDIDA. Estacionamos o carro e fomos em direção ao prédio.

O elevador enguiçara. Subi pelas escadas, toquei a campainha e entrei depressa pela casa, mas ela não me esperou.

Quando adentrei o quarto havia apenas um corpo e um silêncio. Um silêncio ensurdecedor.
Jamais havia ouvido coisa igual. Não chorei. Procurei me lembrar de algumas práticas de primeiros socorros que havia aprendido na Faculdade de Enfermagem, mas nada me vinha á cabeça. Aquele silêncio não me deixava agir.

Parei.

Olhei por alguns segundos para ela, talvez um minuto, não sei. Procurei então os sinais vitais, mas todas as artérias estavam paradas.

Esperei.

Chegou então a ambulância com os " Profissionais de Saúde", estavam mais chocados do que eu. E sem nenhum toque deram o diagnóstico: Óbito.

Óbvio!

Tão óbvio que mal pude acreditar. Lembrei então do que ela sempre me dizia: Deixa de ser Frouxa menina!

Abri seu armário, procurei sua melhor roupa e a vesti. Foi difícil, nunca tinha feito isto antes. Em todo meu tempo de faculdade não havia ao menos visto alguém morto.

Quando acabei, beijei-a na testa, passei os dedos por entre seus cabelos brancos. Ela estava serena. Tão bonita!

Parecia dormir um sono profundo tendo um sonho bom.

Não sei se quando as pessoas morrem podem ver quem ficou. Mas parecia que ela estava me vendo de alguma maneira, e estava feliz.

Não feliz porque havia morrido. Ninguém deve ficar feliz quando morre!
Mas pela minha atitude, afinal, eu não fui frouxa.

Doeu.

Uma dor que nunca senti; um sentimento que me parecia eterno.
Lembrei de todas as conversas, broncas, carinho, atenção e sopas de legumes.

Chorei.

Mas hoje, um ano e vinte e um dias depois, não choro mais. Mas sinto.

Saudade.

(Carol Quintiliano Marcelino)

10/11/2007

De Franz Kafka sobre Pablo Picasso

"Ele apenas observa as deformidades que ainda não chegaram à nossa consciência.A arte é um espelho que adianta como um relógio. Às vezes"

Morada....Nações

o filósofo francês Jean-Paul Sartre disse:

"estamos na linguagem como em nosso corpo"

o filósofo alemão Martin Heidegger disse:

"a linguagem é a morada do ser"

o escritor e professor espanhol Antônio Maura disse:

"que o homem está preso na linguagem e se choca com
suas parades sem janelas. Sem janelas, mas com espelhos.
Muitos espelhos."

a escritora ucraniana, naturalizada brasileira, Clarice Lispector disse:

"o espelho é o espaço mas profundo que existe."