26/12/2008

Prece

"quem canta, reza duas vezes."
(Santo Agostinho)

"o meu canto é uma missão
tem força de oração."
(João Nogueira e Paulo César Pinheiro)

24/12/2008

Bush/Lula

Veja

detestar um presidente fanfarrão que a maioria gosta e que faz um governo razoável.

e adorar um presidente fanfarrão que a maioria detesta e que faz um governo de merda.

longe de demonstrar apuro e senso político, apenas demonstra o gosto por contrariar a maioria.

ps: e que símbolo são os calçados!

28/11/2008

I had one

Sonhei, na noite que virava o dia 22 pra 23 de Novembro.

Era um pequeno salão cujo chão eram tábuas de madeira. E uma dúzia de bancadas de madeira do lado esquerdo da sala, onde me encontrava com Carol, num dos bancos mais traseiros. E uma dúzia de bancadas do lado direito, onde, um pouco mais à frente, estavam Cadu e Zenaide; e Zenaide também usava dreads.

Osmar consultava algo que se assemelhava a um livro ou caderneta, e sentava nas bancadas do lado esquerdo, um pouco adiante de mim e Carol.

Na frente da sala havia um pequeno tablado, onde estavam dispostos instrumentos musicais, todos vazios, em posição de descanso.

O chão, as paredes em toda a sua textura, o teto, o pé direito, tudo na sala lembrava uma sala de aula do Colégio Batista Shepard, onde estudei por toda a minha infância.

E, fora eu, Carol, Cadu, Zenaide e Osmar, toda platéia era formada pelo estereótipo do tijucano médio, masculino e feminino. E se percebia mais presenças por algum glamour que por um engajamento propriamente dito.

E não havendo apresentações musicais, era um recital de poemas que havia. E havia um bandolim ou cavaquinho acompanhando sozinho Osmar numa récita de uma obra de sua autoria.

Esse poema invertia metáforas e outras figuras usuais para, implicitamente, questionar a utilização do branco para paz, harmonia, sabedoria e conhecimento; e do preto para esses antônimos. E a proposta era de abolição, confusão desses instrumentos. E o instrumentista o acompanhava.

E de volta à platéia, percebíamos reações díspares. Um casal dormia, ou fingia. E uma menina recitava de cor, no mesmo ritmo do poeta, os versos de um poema que só não era inédito para o poeta.

E ao fim, percebemos alguma comoção das pessoas, mas também alguma ridicularização.

E nesse momento, Cadu, do seu lugar, intempestivamente, toma a palavra, esbravejando e batendo com a ponta dos dez dedos em seu próprio peito. Quando ouvimos prontamente, e também em alto e bom som, algumas palavras de Zenaide em apoio a Cadu, que dizia as suas em apoio às de Osmar.

Então, mais calmo e não menos incisivo, Cadu se levanta e se posta ao fundo da sala, e todos tem que se virar para enxergá-lo. E dessa inversão de posições o poema já falara. E ali, Cadu começa um discurso sobre a importância e beleza do negro através da história escrita e não-escrita da humanidade.

De repente, toda a platéia se levanta e se coloca em círculo, vejam bem: todos em pé e em círculo, ouvindo e vendo Cadu falar e gesticular. E se observava que Zenaide, como os demais, em respeito à fala de Cadu, nada falava. Mas diferentemente de todos, concordava com ele em gestos. E interessante foi, quando Cadu a falar de arte, religião e dança, esboçou uns passos, e Zenaide foi a lhe acompanhar.

E, ao final, foram ouvidos aplausos efusivos

E eu, que nesse momento já misturava ao sonho o que era real, me encontrava deitado e levantei para aplaudir.

Não lembro um só verso do poema, nem um só palavra do discurso, mas sei exatamente do que se tratava: da importância da parte negra para o todo humano.

E esse foi o sonho, não sei se Freud ou Daniel explicariam, mas só sei que foi assim.

08/11/2008

Filosofia de Vila

Filosofia
(Noel Rosa)

O mundo me condena
e ninguém tem pena
Falando sempre mal do meu nome

Deixando de saber
se eu vou morrer de sede
Ou se vou morrer de fome

Mas a filosofia
hoje me auxilia
A viver indiferente assim

Nesta prontidão sem fim
Vou fingindo que sou rico
Pra ninguém zombar de mim

Não me incomodo
que você me diga
Que a sociedade
é a minha inimiga

Pois cantando neste mundo
Vivo escravo do meu samba,
muito embora vagabundo

Quanto a você da aristocracia
Que tem dinheiro,
mas não compra alegria

Há de viver eternamente
sendo escravo dessa gente
Que cultiva hipocrisia

Aula

http://www.cartacapital.com.br/app/materia.jsp?a=2&a2=9&i=2616

06/11/2008

Negros

*Temos o melhor jogador de golfe do mundo

*Temos o melhor piloto de Fórmula 1 do mundo

*Temos o presidente eleito do Estados Unidos do mundo

*Temos o campeão do Soletrando do Caldeirão do Huck

quanto orgulho! que auto-estima!

24/10/2008

Ética e Metafísica

Todo homem é livre para escolher seu Big Mac

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Ainda sobre ética, me foi muito interessante reparar como é metafísico o preconceito. Esse vício é essencialmente essencialista. Prova disso eram as teorias dos primeiros economistas britânicos. Eles desautorizavam todo auxílio do governo aos pobres. E isso porque acreditavam que os pobres seriam sempre pobres, não importando quanto dinheiro lhes fosse dado. Ou seja, pobreza (e riqueza também, é claro) eram muito mais do que meras questão financeiras. Eram questões bioculturais. E justificava-se tal argumento da seguinte maneira: se o pobre ganha 500 reais, tem mulher e 3 filhos, e o governo dobra sua renda, o pobre, em resposta faz mais 5 filhos, e continua tão pobre quanto antes, e se o governo teima e novamente dobra sua renda, o pobre teimoso vai lá e faz mais 10 filhos. Assim até o infinito. Do que podemos imaginar um mendigo com uma renda mensal de 128 mil reais e com uma prole de 13 mil herdeiros. E não é brincadeira, era teoria, está nos livros, faz menos de duzendo anos. Procure por David Ricardo e Thomas Malthus.

15/10/2008

Cabral

Seu José, mestre carpina,
para cobrir corpo de homem
não é preciso muito água:
basta que chega ao abdômen,
basta que tenha fundura
igual à de sua fome.

Severino, retirante
pois não sei o que lhe conte
sempre que cruzo este rio
costumo tomar a ponte
quanto ao vazio do estômago,
se cruza quando se come.

06/09/2008

citações

Heráclito de Éfeso: "O Universo é gerado não segundo o tempo, mas segundo a reflexão."

Clarice Lispector: "Há que se entender a violenta ausência de cor de um espelho para poder recriá-lo. Como se se recriasse a violenta ausência de sabor da água"

Homo Sapiens

Devemos estar atentos para as diferenças que há entre "lex tradita" e "lex scripta" nos estudos de compreensão dos povos.

Pois, há um hiato entre os costumes e tradições de um povo e seus códigos, sejam estes últimos religiosos ou laicos.

Há aspectos dos códigos que estão em conformidade com os costumes, e talvez sejam a maioria.

Porém, há aspectos dos códigos que estão além dos costumes, isto é, são como que metas almejadas, ainda não alcançadas, vide o artigo quinto da nossa Constituição.

E há, também, aspectos do código que estão fora dos costumes, seja por anacronismo, ou porque vêm de "cima para baixo"(leis, que são formuladas por uma elite nas câmaras e parlatórios, que não vão de acordo com os anseios da população que essa elite representa. Pelo menos na democracia representativa. E cabe a cada um decidir se concorda com "vox populi, vox Dei). Os exemplos mais comuns são as leis que "não pegam".

Então, cabe dizer que o Código de Hamurábi não defini os sumérios, como o Lei Mosaica não define os hebreus, ainda que sejam de enorme ajuda na compreensão dos respectivos.

Bem como qualquer estudioso do século XL d.C. que pretenda estudar a sociedade brasileira atual não deve se contentar apenas com nosso Código Civil e nossa Constituição.

Há, além dos textos legais, textos históriocos, biográficos, mitológicos, poéticos, ciêntíficos que podem ajudar os estudiosos do assunto. Isso a partir da Idade do Bronze, que teve início há 6000 anos, e foi o período que testemunhou o surgimento da escrita.

Mas, visto que as estimativas do surgimento dos primeiros hominídeos remontam há mais de 4 milhões de anos, e que o surgimento da espécie homo sapiens remonta a mais de mil séculos, devem surgir outras técnicas de estudo dos povos que não se resumam aos textos, sejam eles oficiais ou não.

E pra essa tarefa, são de grande valia a arqueologia, a paleontologia, a biologia, a geologia, e a semiologia (ou semiótica), que expande para o campo dos signos não-linguísticos os estudos de linguística, e com certeza isso é de grande valia para a compreensão de todos os povos, possuam eles escrita ou não.

E uma citação de Montesquieu: "um povo defende mais seus costumes que suas leis." Não é à tôa.

E, por último, devemos saber que os estudos socias e culturais são antes de tudo um convite à tolerância. Devo saber que quem não pensa como eu, não é inteligente como eu, na medida que isso significa que quem pensa de outro jeito, é inteligente de outro jeito.

E como bem disse Levi-Strauss: "bárbaro é o que acredita na barbárie."

03/09/2008

Logo

Osmar me emprestou um livro do que costuma se chamar de "vulgarização científica", onde talvez fosse mais cômodo dizer disseminação, visto o carácter pejorativo que a palavra vulgar pode assumir.

Mas o que importa é o título do livro, "Uma Breve História do Tempo" de Stephen Hawking ( o tal que ocupa atualmente, na Universidade de Cambridge, a cadeira que já foi de Newton).

Mas, a parte que seja muito bom o livro, o que me chama a atenção é mesmo o título, que comprova que há poesia até num tratado de astronomia.

Vejamos: a frase que compõe o título possui 5 palavras, afora o artigo indefinido e a preposição, nos restam 3 substantivos, todos eles pertencendo a um mesmo grupo semântico.

Breve: indica o que é de curta duração.

História: indica algo de duração maior, porém ainda limitada.

Tempo: indica o próprio tempo em sua essência e infinitude.

E do modo como as palavras estão dispostas: breve - história - tempo. Nos dá uma noção de caminhada, do mais curto, para o mais comprido até o infinito. E a noção de caminhada nos traz de volta a noção de movimento que nos leva novamente a noção de espaço-tempo, que Einstein concatenou muito bem.

Como também nos leva a própria noção de ciência, que é um longo e infindo caminhar, mas que começa com o primeiro passo, no primeiro livro, na primeira idéia.

26/08/2008

um vírgula cinco

Morri com 23 anos de idade no ano de 2006; e hoje, dia 26 de agosto de 2008, com 25 anos de idade, faz exatamente 18 meses (1,5 anos) que renasci. Hoje, então, estou na metade do meu segundo ano d.C. E muito feliz por isso.

25/08/2008

A Pedidos

Então, como minha digníssima Carol pediu, aqui vai um post improvisado.

Como certa vez escreveu o etnólogo, Levi-Strauss, o homem é sobretudo um classificador. E isso tem origem no que o etnólogo, Titiev, chama de mentalidade algébrica. Portanto, sendo o que nós somos, classificadores, está longe de ser um absurdo que classifiquemos a nós mesmos. E o parâmetro é sobretudo o financeiro. Então quando Marx fala em classes econômicas, está muito distante de um completo desvairio, apesar de não poder se dizer que absolutamente todos os membros de uma mesma classe mijem em pé ou sentados, classificações são de muita valia para construção de hipóteses e modelos teóricos em ciências sociais, sobretudo sobre o parâmetro monetário.

Mas como diz Chomsky, é uma ingenuidade imaginar que haja uma classe dominante extremamente consciente e arquitetada. Mas há de fato uma minoria possuidora que possui muitos interessses em comum.

Se sabe que a religião é intenso fator de coesão social, talvez tenha sido o primeiro, desde os tempos da pedra velha e lascada. Porém, a partir da idade do metal, com o surgimento do comércio em larga escala, e com a ereção dos primeiros impérios, a religião passou a ser também fator importantíssimo de dominação e alienação. O que fez Marx denominá-la ópio do povo, o que de fato vinha sendo durante milênios até, inclusive, as nossas idades moderna e contemporânea.

Os socialistas e comunistas em geral queimam a casa para pegarem o rato, ie, já que durante muitos séculos em muitas partes a religião foi e vem sendo usada para fins espúrios, acabe-se com a religião.

Eu creio numa exeriência religiosa legítima e pessoal, mas também concordo que a esfera religiosa dá espaço para dominação de massas incultas. Por isso defendo a separação entre Estado e Igreja, a começar pela extinção das religiões oficiais de Estado.

E qualquer um que tenha entrado minimamente em contato com estudos antropológicos sabe que não há religião pura, cultura pura, raça pura. Tudo é um constante misturar-se, tudo é um enorme sincretismo. Então, posso dizer que não só eu, mas a história e os povos, mesmo que não o saibam conscientemente, são pluralistas. E não é à tôa que o nascimento de Cristo é comemorado na mesma data de um dos maiores deuses dos agricultores e pastores pagãos, e também não é mera coincidência que essa data seja, no Hemisfério Norte, exatamente o marco do soltício de inverno. Que é quando se inicia o período mais frio, escuro e menos fecundo do ano, mas também se inicia a esperança de que o a luz e o calor retornarão na primavera.

Enfim, dei toda essa volta para dizer que apesar de criticar a religião não me posiciono dogmaticamente contra ela. Afinal, criticar não é sinônimos de não gostar e muito menos de mal-dizer, a prudência se deu mais pelo fato de ter citado Karl Marx, porque não pretendo ser misunderstendido.

Agora, sabemos que durante milênios a religião foi bem (ou mal, depende do ponto de vista) usada como fator de dominação e alienação, repito. Porém, sabemos também que, sobretudo nas sociedades ocidentais, vamos passando por uma forte laicização, o que não deve corresponder exatamente num decréscimo das práticas religiosas, mas numa descrença nas religiões institucionalizadas. Enfim, não temos muito mais paciências para os conselhos políticos e éticos do padre, do bispo do papa e etc. Falo isso de maneira geral.

Então te pergunto, se a Igreja não pode mais dar o aval para as opressões diante de uma sociedade laica, o que deve substituí-la. E te respondo, o Mercado.

Se antes tínhamos hordas de analfabetos obrigados a engolir, nas missas, as ladainhas em latim clássico do que entediam muito pouco, quase nada. (E cujo acesso às escrituras era duramente vedado (e isso está longe de ser um privilégio do latim cristão, no Egipto e etc era o mesmo que se dava)). Hoje temos multidões matematicamente analfabetas que são obrigadas a engolir números e mais números que, presumidamente, traduzem o mundo nos noticiários.

Enfim, os economistas substituiram os frades, e no lugar das escrituturas e suas interpretações, hermenêuticas e exegeses, temos, então, planilhas e papers. E os mendigos, que não têm conta em banco, e provavelmente também não têm alma, mas que são muito espertos, já estão saindo das portas das Igrejas e indo pras portas das agências bancárias. E outros ainda mais espertos, e longe de ser mendigos, aliam religião e finanças a ponto de erigir um império das comunicações.

Logicamente que não se propõe o fim das religiões e dos mercados. Mas como Luthero aproximou do povo as escrituras, está mais que na hora de aproximá-lo então da matemática, que é a língua que diz cada vez mais o mundo, não só natural, mas também social.

Há que se evitar que alguns poucos ditem tudo numa linguagem que todos os outros não entendem. A democratização começa aí.

ps: muito se tem, aqui no nosso país, o conceito de gênio iluminado, são figuras de destaque histórico, sejam cientistas, religiosos, políticos, artistas, que se tornam verdadeiros heróis no imaginário comum. Nada mais falso. Prova é que dois estudiosos citados aqui foram capazes de proferir muitas estupidezas.

Karl Marx tinha formação em filosofia, direito e história, seu conhecimento de matemática era pífio, e isso colaborou enormemente para a fragilidade de muitas de suas teorias.

Já Martinho Lutero foi capaz de dizer que Kepler, quando este último trabalhava numa teoria matemática da astronomia em oposição às peripécias da astrologia, não passava de um astrólogo inútil e petulante e que as pessoas sensatas não deviam lhe dar ouvidos. E já sabemos bem a importância que teve Kepler, junto com Copérnico, Galileu e Newton, nas física e astronomia moderna.

14/05/2008

Lugares

"Dois corpos não ocupam o mesmo lugar no espaço ao mesmo tempo" Sir Isaac Newton.


A física pode tratar os lugares e os objetos exclusivamente sobre os auspícios da geometria analítica ou da álgebra linear, onde você sempre pode localizar a posição de um objeto no espaço em relação a alguma outra coisa (algum outro objeto, ou algum outro ponto específico, a origem dos eixos, por exemplo).

Mas nossa consciência é doadora de sentido, como disse Husserl, e os lugares, socialmente e psicologicamente falando, adquirem conceitos que extrapolam suas relações físicas e matemáticas.

E por isso que lugares vazios significam ausência, sobretudo lugares que possuem a função específica de portar pessoas, como cadeiras, camas e travesseiros, por isso as cadeiras e travesseiros duplos e vazios, assim como as camas e os quartos e as mesas igualmentente vazios, de Van Gogh, mais do que simplesmente nos mostrarem pontos relativamente posicionados no espaço, nos mostram o conceito de solidão.

Van Gogh nos diz que, se não pode haver duas pessoas no mesmo lugar ao mesmo tempo, pode ser que não haja pessoa alguma em tempo algum, ou que haja uma pessoa sozinha sempre.

Já o filme "A Lula e a Baleia" adota perspectiva diferente, ele trata do drama psicológico de corpos distintos disputando espaços semelhantes.

Ali temos uma família, o filho mais novo ligado mais à mãe, e o outro filho mais ligado ao pai, e tanto pai quanto mãe, doutores em literatura, mas como seria de se esperar, o doutorado da mãe sempre à sombra do doutorado do pai, até que o pai cai no ostracismo e passa a ter seus livros recusados pelas editoras, ao mesmo tempo que a mãe começa a publicar e receber elogios da crítica, o pai e a mãe disputam um espaço aqui e agora.

Como dois jogadores de tênis também disputam um espaço, que talvez vá além do pódio. E é justamente o professor de tênis dos filhos do casal que passa a disputar espaços com o pai, a partir do momento em que a mãe passa a cultivar a prática do adutério com ele.

Numa sociedade machista, que espaço são as mulheres? numa sociedade racista, que espaço são os pretos? numa sociedade elitista que espaço são os pobres?

Num mesmo espaço, ou há um, ou há nenhum, nunca cabem dois ou mais, talvez daí a inevitabilidade da solidão, mesmo em meio a massa. E talvez por isso, no filme, o pai tenha um carro, e um de seus maiores dramas seja encontrar um vaga para seu veículo no quarteirão de sua residência, e talvez por isso ele xingue aquele que pega a "sua" vaga, e talvez por isso demonstre sintomas de êxtase e êxito quando encontra um lugar para o seu carro perto de sua casa.

E talvez por isso o filho mais velho, que é apaixonado por uma aluna-namorada de seu pai, que foi morar na casa deles depois que a mãe de lá saiu, talvez por isso, o filho mais velho se mostre sempre solícito em ajudar o pai na procura por uma vaga para o carro deles, enquanto que o filho mais novo apenas espera que o carro pare no sinal para abrir a porta e sair correndo pela rua, deixando o pai sozinho no carro, e o banco do carona como um lugar vazio.

E você pode perguntar agora, o que tem a ver a a lula e a baleila com todo essa história de espaço. O fato é que na última cena do filme, o filho mais velho vê, no Museu de História Natural da cidade, sob uma escada, a simulação de uma lula e uma baleia disputando espaços, entre si, na imensidão do oceano. Por que num mar tão grande dois sujeitos disputam o mesmo ponto? Por que a natureza é essa, onde o sucesso de um é o fracasso de outro, obrigatoriamente? Por que a sociedade é essa, onde o número de carros é superior ao número de vagas?

E como disputamos nosso espaço diariamente? como evitamos os espaços que estão, dizem, muito acima ou muito abaixo da qualidade de espaço que merecemos?

Como lidamos com o fato da Favela da Rocinha e o Shopping Fashion Mall se localizarem frente a frente, e os que se alojam em um espaço jamais ocupam outro? E como explicar os turistas fazendo passeios turísticos pela favela referida?

No Brasil-Colônia, principalmente na época do ouro das Minas Gerais, que permitiu a ascenção das igrejas católicas em estilo barroco, nesse Brasil, nessas igrejas, havia uma área entra a porta de entrada e o salão principal que se chamava vestíbulo, e o salão era espaço exclusivo dos brancos, aos pretos era vedada a entrância além das entradas vestibulares.

Como, no Brasil moderno, as universidades substituiram as igrejas barrocas como local exclusivo?

O fato é: tais restrições espaciais geral exclusões sociais que sangram o rosto da justiça e que devem ser prontamente corrigidas.

09/05/2008

Arenas

O homem contemporâneo possui inclinação natural, praticamente um instinto, em crer que as datas de seu parto e de seu óbito coincidem com as datas do parto e do óbito de todo universo. Mas sabemos que o universo precede esse homem em milhões e milhões de anos-luz.

E essa atitude incauta é perigosa por preencher o homem de um horrível egocentrismo. E é o estudo das coisas passadas que dota o homem de maior consciência de seu lugar no universo.

Daí a importância da Astronomia e da Arqueologia.

E se você quase chega ao óbito pela curiosidade de saber porque prefiro uma a outra, veja o filme "Casa de Areia" de Ruy Guerra, com Luiz Melodia e Seu Jorge, e a Fernandas, Montenegro (mãe), Torres (filha).

17/03/2008

Indicações

3 escritores contemporâneos e excelentes:

roteiro: Guillermo Arriaga

romance: Raduan Nassar

poema: Márcio-André

10/03/2008

Bandeira

Pardalzinho


O pardalzinho nasceu
Livre. Quebraram-lhe a asa.
Sacha lhe deu uma casa
Água, comida e carinhos.

Foram cuidados em vão:
A casa era uma prisão.
O pardalzinho morreu.
O corpo Sacha enterrou
No jardim; a alma, essa voou
Para o céu dos passarinhos


Meu amigo Osmar descobriu pra mim o poema acima. E eu penso que o crítico revela o que o artista oculta, analisa o que o artista sintetiza. E nesse poema de temática infantil temos as mais complexas e sutis maturidades.

Reparemos nas rimas:

asa - casa

vão - prisão

nasceu - morreu

voou - enterrou

passarinho - carinho

Esses pares de palavras que são semelhantes pelo som, são contradizentes pelo conceito.

Pois a casa abriga, a asa livra.

E é justamente a ambiguidade a maior virtude do poema.

Podemos dividir as palavras rimadas em dois paralelos semânticos:

o primeiro seria: asa, vão, nasceu, voou, passarinho

e o segundo: casa, prisão, morreu, enterrou, carinho.

E o que realmente surpreende é o conceito que se faz de carinho. A primeira intenção, sobretudo dos que vêem a poesia sobre um prisma essencialmente romântico, seria atrelar a palavra carinho à palavra passarinho. Assemelhá-las não apenas foneticamente, mas também conceitualmente.

Eis que esse fabuloso poeta moderno, mantendo a proximidade sonora de carinho e passarinho, afasta seus conceitos de forma diametral, sutil e genial. Esse é sem dúvida um poema que se deve ler com os olhos muito bem abertos.

Se o passarinho na sua asa, nasce e voa em vão. No carinho de Sacha, ele encontra uma casa, que é de fato uma prisão, e assim, morre, e é enterrado.

Um gesto de boa intenção (o carinho) traz, na sua ponta, gesto de má conduta (cárcere e morte). Uma ambiguidade fatal. E de fato as ações humanas são eivadas de ambiguidades. Os nossos costumes, os nossos hábitos, a nossa linguagem, a nossa hipocrisia assiduamente fazem com que nossas atitudes possuam dois gumes, como uma faca. Ou até mais.

Porém, há outro paralelismo no poema que instaura uma nova ambiguidade.

O poema é todo construído em redondilhas maiores, versos com 7 sílabas poéticas, umas das mais correntes formas medievais; e, por isso, chamada, pelos renascentistas, de medida velha. Isso atesta o fato de que os modernos frequentemente recorrem ao antigo, buscam a nova idade (novidade) na antiga idade (antigüidade).

Mas o mais interessante é a ocorrência de enjambement, que se faz presente quando um verso trepa, monta, invade o outro. E isso acontece do primeiro para o segundo verso da primeira estrofe, quando a palavra Livre, que sintaticamente pertence ao primeiro verso, entra no segundo, para que seja mantida rígida a forma. E o poeta de maneira ambígua, se mantém preso à forma antiga para que possa alcançar maior liberdade e inovação poéticas

E esse fenômeno volta a ocorrer na segunda estrofe, mais precisamente do quarto para o quinto verso, com o advérbio de lugar No jardim.

E essa recorrência, não é acaso, acidente, ou coincidência, mas é fruto do cálculo e forte consciência poética.

Pois esse enjambement inaugura um paralelismo e cria, virtual e magistralmente, um novo verso dentro do poema, qual seja: "Livre/No jardim"

E aqui está a nova ambiguidade a que o poema se refere, pois o ar, o céu, representam metaforicamente a liberdade, daí os devaneios passarinheiros dos mais diversos poetas, e aqui podemos citar Mário Quintana:

"Os poemas são pássaros que chegam
não se sabe de onde e pousam
no livro que lês"

ou, os ainda mais célebres dos seus versos:

"eles passarão
eu passarinho"

A terra, ao contrário, representa a prisão, a falta de liberdade pra voar que a força G de Newton nos impõe.

Mas é justamente ao perder a liberdade de vôo na casa/prisão de Sacha, que o passarinho prefere morrer para que enterrado recobre a sua liberdade de voar. A morte, o funeral, esses fatos tão funetos, ambiguamente, recobram a liberdade do voador, esse fato tão fantástico.

E creio que não foi por acaso que Manuel Bandeira visualizou nos jardins as faixas de terra mais próximas do espaço aéreo, posso supor que isso se deve às cores e aos odores esfuziantes que os eles nos oferecem.

E com essa visão do jardim, o poeta moderno reafirma um conceito romântico de forma inovadora, conceito que ele havia rebatido quando opôs ao passarinho o carinho da menina.

E com essas ambiguidades todas, que esse genial poeta encharca de signifacado um poema, à primeira vista, banal. E, além disso tudo, sugere uma reflexão a respeito da domesticação dos animais, que pode ser extendida, sem exageros, a civilização dos seres humanos.

Estaria certo Rousseau? O homem selvagem goza de maior liberdade ao prescindir das etiquetas sociais? Ou a hipocrisia e a dissimulação viriam para preservar, de alguma forma, um primeiro instinto selvagem de liberdade e isolamento no homem civilizado? Hobbes nos diz que o homem selvagem abre mão de certa liberdade, para em contra partida tirar proveito de certas situações da vida em grupo. Seriam as ambiguidades e contradições uma forma, ainda que inconsciente, do civilizado grilhado pelas regras sociais procurar recuperar a sua liberdade solitária?

Nietzsche e Foucault perceberam que as relações humanas são intrincados jogos de poder, que se dão pelos discursos, diálogos e comunicações. E a dissimulação e a hipocrisia, o discurso redundante, vicioso e enviesado, servem justamente para avoidar um completa revelação de si mesmo ao outro. Sua função é manter o oculto, o segredo, o mistério, a dúvida e a desconfiança. Para que as coisas nunca estejam muito bem ditas e que sempre se tenha algo a mais para se dizer, sempre haverá o não-dito.

De tal maneira que analizadores da lingugem já tentaram lipoaspirá-la de todo excesso, de toda a gordura, de todo exagero e confusão, e depois de séculos, concluíram que tal tarefa é impossível.

O fato é que, nas prisões telúricas, há faixas sensíveis que devem nos lembrar ( e a verdade em grego significa justamente "lembrar") a liberdade que tivemos e que teremos. E esses meios de recordação são os jardins e são, também, as obras de arte. E aqui se instaura um profundo carácter ético e moral da arte, que deve nos redizer, de forma lúdica e sensível, o nosso direito a ser livres. Não deve ser apenas um mero entretenimento para matar a tempo, como a indústria cultural capitalista, tão bem criticada pela escola de Frankfurt, nos quer fazer crer.

E outro ponto de reflexão que esse poema pode propor é se a moderna aerodinâmica, se o vôo mecânico dos pássaros de aço movido a combustível, nos trazem mais liberdade, ou se apenas nos trazem mais prisão, quando aumentam, simultaneamente, nossa velocidade e nossa pressa.

26/02/2008

Incomensurabilidades

"Comprem chocolates à criança a quem sucedi por erro,
E tirem a tabuleta porque amanhã é infinito. "
(Álvaro Campos)



Irracional: tal palavra, em sua origem grega, significa o que não tem medida. E o intelecto humano desde muito tempo se ocupa justamente em medir. As ciências exatas, meninas dos olhos das ciências em geral, se denominam exatas justamente porque crêem mais exatas as suas medidas. E tudo isso sobre as bençãos da linguagem matemática.

Porém, na Grécia pré-Socrática houve um episódio curioso, onde a própria matemática, mas precisamente a geometria (geo = terra; metria = medida) euclidiana tropeçou numa das pedras da imensurabilidade. Os pensadores pitagóricos, ao estudar as relações entre os triângulos e os quadrados, (e também os pentágonos, mas nada que lembre os EUA) perceberam que não era possível uma medida exata da raiz de dois, na verdade, àquela época eles chegaram a concluir que tal medida não era apenas inexata, mas inexistente. Pois não conseguiam achar um número que fosse mensurável e que multiplicado por ele mesmo fosse igual a dois. E de fato a raiz de dois é um número infinito, não no sentido de ser o infinito em si, mas no sentido de que nunca chega ao fim, há sempre mais um algarismo. O número que representa a raiz de dois não procede da razão entre dois númoero inteiros, daí ser dito, como outros tanto números, irracional.

E esse é um entrave à racionalidade que se dá no mundo abstrato das matemáticas. Imagine no mundo concreto. Qual a razão entre um tomate e uma laranja? Ou até a razão entre dois tomates? Difícil de dizer. E diante disso vejamos o que diz Clarice Lispector:

"...Não me posso resumir porque não se pode somar uma cadeira e duas maçãs. Eu sou uma cadeira e duas maçãs. E não me somo..."

Não há razão entre cadeiras e maçãs, como não há razão entre tomates e laranjas. E talvez nem a haja entre dois tomates, porque se um 2 é sempre idêntico a outro 2, até hoje não vi dois objetos que não apresentassem diferenças, mesmo que sejam dois tomates, o máximo que se consegue nesse mundo real são semelhanças, e essa distância entre o que se assemelha e o que se identifica acarreta sérios problemas à racionalidade, à medida, ao padrão.


Porém, se não há razão entre cadeiras, tomates, laranjas, bananas, cadeiras, pães, bifes, cervejas, softwares, como fica a vida em comunidade do marceneiro, do tomateiro, do laranjeiro, do bananeiro, do padeiro, do açougueiro, do cervejeiro, do Bill Gates, do Steve Jobs, etc?

É nesse instante que surge uma abstração com a finalidade de servir como unidade de medida, fator racional entre esses objetos díspares. E que nova medida é essa? Quem é essa abstração racional?

Pois bem: A Moeda.

Nas antigas Metonímias: o níquel, o cobre, a prata, o ouro. Nas modernas nomenclaturas: o papel-moeda, os cheques, os cartões, os meios de pagamento.

Porém essa abstração monetária também possui constituição concreta, e o que surge para representar as mercadorias se tranforma em mercadoria itself e aí só aumenta a complexidade.

Então, se faz bem fácil perceber que a moeda não é uma medida de valor absoluta, que todos os preços são relativos. Até andou se procurando há alguns séculos a tal da medida invariável de valor, que fosse a medida-base de todos os outros valores, mais ou menos como os alquimistas procuravam o elixir da eterna juventude. Mas, ao que parece, já abandoram os economistas essa empreitada quixotesca.

O que se sabe é que de alguma forma os preços se formam. Uma coisa vale não só pelo valor (leia-se utilidade) que se dá a ela, mais pelo valor que se dá a todas as outras coisas que existem e possuem utilidade no mundo junto com ela, bem como pelo trabalho que se faz pra fabricar as coisas e pelo valor que têm os insumos, os fatores que entram de um lado da máquina pra que do outro lado saia o produto acabado, ou melhor, o produto final.

Em sumo, o valor de cada coisa interfere no valor de cada coisa e o valor de tudo sofre a interferência do valor de tudo mais. Acho que já se pode perceber aqui os limites da racionalidade nas ciências econômicas.

Mas as coisas não param por aí. São notórias as duas curvas (ou rotas flexas como prefere a poesia de Márcio-André) dos estudos econômicos: a tal da demanda e a tal da oferta, e ambas deixam transparecer o problema da irracionalidade.

Na curva de demanda, que seria o lado do consumidor, o problema está na aferição da chamada utilidade, pois o preço que alguém está disposto a pagar por alguma coisa é uma função da renda que essa pessoa carrega e da utilidade que ela enxerga no referido bem. A racionalidade das rendas é algo bem mais conformável, é bem fácil saber quanto você tem no bolso, na carteira, na conta-corrente, ou na conta investimento, se a memória falhar basta um extrato por um tarifa assaltante. Desprezados aqui os efeitos da inflação e dos roubos propriamente ditos, aqueles à moda antiga.

Porém, a medida das utilidades é algo que foge muito ao conceito de racionalidade. Afinal, o que são os valores que damos às coisas? Por que são esses valores? Parece bem claro que a valoração que atribuímos é muito mais uma questão de delírios, devaneios, sonhos, imaginações, expectativas grossamente irracionais. Não me parece que o valor que damos aos bens seja o caso de calcularmos, através da matemática integral, diferencial e infinitesimal, a utilidade marginal dos bens. Como quer crer a economia mainstream.

Logicamente, há o conceito de transitividade, que siginifica: se "A" é preferível a "B"; e "B" é preferível a "C"; então, "A" é preferível a"C". E querem crer que é através dessa análise lógica que conferimos valor e utilidade às coisas. Mas bem sabemos que em nossa mente, se "A" é maior que "B", e "B" é maior que "C", "C" pode ser maior que "A" e "B" juntos, "C" pode ser maior que o próprio "C", podemos preferir "B" a "B", para depois preferir "A" e "C". E a racionalidade encontra mais problemas.

No outro lado da moeda, isto é, na curva de oferta, o problema da racionalidade é justamente um problema de lógica, mas propriamente um tipo de falácia, uma tautologia, um argumento circular, que dá voltas sobre si mesmo, como uma cobra que morde a própria cauda. Vejamos:

Os preços de oferta são calculados através do custo marginal dos bens, isto significa dizer que os preços do bem se equivalem ao custo de se produzir mais um bem. E esse custo, por sua vez, é uma função da produtividade dos fatores, ou seja, quanto se terá que investir em capital pra produzir aquele bem. Porém, o capital não é homogêneo, já se fala em capital humano, social, industrial, ambiental, tecnológico, a cada hora surge um capital, e isso, por si só já demonstra a heterogeneidade do capital, porém, até mesmo dentro de suas classe específicas, os capitais se diferenciam, afinal, você, se chefe, e seu colega de trabalho são capitais humanos, e mesmo sem conhecê-los tão bem, eu aposto uma quantia razoável que vocês são bem diferentes.

Então, para se racionalizar esses capitais distintos, usasse uma unidade de medida comum: a moeda, novamente. A produtividade do capital, numa cadeira de produção racional, é igual a remuneração desse capital. Isto é, a sua produtividade é o seu salário.

O problema é que para calcular a produtividade dos capitais é preciso que se tenha um fator monetário comum, que é a remuneração dos capitais, porém, para calcular a remuneração dos capitais usa-se como base as suas produtividades, esse é o círculo vicioso dos argumentos e medições da economia "orto"doxa. Para se calcular uma coisa usa-se outra, mas pra se calcular essa outra usa-se aquela uma. E foi esse insulto à racionalidade por parte dos estudos econômicos dominantes que muitos marxistas criticaram.

E os marxistas também deram suas contribuições nas teorias das comunicações e da cultura, sobretudo a Teoria Crítica da Escola de Frankfurt, e os Cultural Studies de Londres, que recusaram o método quantificativo usado principalmente pelas Escolas Norte-Americanas. Tais estudiosos pretendiam estudar os problemas midiáticos com base apenas em tabelas de questionários e peripécias estatísticas. Ao que tais marxistas respoderam: "os processos culturais não se quantificam, porém, não podem ser deixados de lado numa teoria da comunicação que se queira minimamente responsável. Ao que os mainstream respodiam: "nós queremos um teoria que possa ser medida e testada."

E nessa obessessão pela medida, vamos dando testadas até os dias de hoje. E é bom que se aproveite o insejo para se dizer que nem Marx nem os marxistas foram profetas irrepreensíveis, mas foram sujeitos de análises muito valiosas, e se os planos de ação futura dos marxistas falharam em muitos pontos, não significa que suas críticas não encontrem pertinência.

É costume se ignorar toda a teoria crítica marxista por sujeitos como Fidel Castro, Stalin, Pol Pot terem cometido atrocidades em nome de um suposto socialismo. Isso é tão ridículo como negar toda a teoria ortodoxa pelas sandices da família Bush, de seus asseclas e seus et ceteras.

Fechados esses parênstesis, tocarei apenas em mais um ponto das tensões entre racionalidades e irracionalidades, algo que julgo muito curioso.

O sentido mais aguçado na raça humana é a visão, e é justamente ela que capta a luz. E a palavra luz e a raiz etimológica de duas palavras que são praticamente antônimas, a saber: elucidação e alucinação.

A luz é metáfora corrente para conhecimento, ciência, sabedoria, donde a palavra elucidação, porém se essa luz não tiver uma racionalidade, se essa luz ultrapassar as medidas, torna-se loucura, alucinação, talvez por isso se diga que todo gênio é louco, pois ele deve se situar nesse limite entre luz em boa medida e luz além das medidas. Eles tangem a linha do que compreendem os elucidados e do que só compreenderão os alucinados.

Não cabe aqui discutir quem tem razão de se auto-denominar elucidado, e alcunhar os demais de alucinados.

O fato é que talvez por essas questão entre o que é mensurável e o que é sem medida que tenha sido dito e esteja escrito:

"Paulo, porém, falou: Não estou louco. Pelo contrário, digo palavras de verdade e de bom senso."
(Atos dos Apóstolos cap: 26; ver: 24 )

E ainda Paulo, em sua primeira epístola aos coríntios:

"Porventura não tornou Deus louca a sabedoria do mundo?" (cap: 1; ver: 20)

"Porque a loucura de Deus é mais sábia do que os homens" (cap; 1, ver: 25)

Portanto, desconfio dos filósofos análiticos que querem achar uma medida para refutar Deus.

E também desconfio do filósofo alemão Nietzsche, quando esse, através de uma peripécia lógica e análica, justo ele que se quis tão longe dos racionadores, me diz que Deus é morto porque sua onipotência se contradiz quando não pode criar uma pedra tão pesada que não possa carregar.

E por isso desconfio dessa sanha humana pela medida e pelo padrão. Como desconfiaria de uma sanha humana pelo desmedido. O fato é que estamos entre essas coisas, entre as coisas, e seus contrários, que também são coisas, ainda que outras. Estamos entre o desconhecido e o conhecido, e não conhecemos nem desconhecemos, plenamente.

Por isso acho que uma posição de ceticismo deve ser fruto de uma posição de humildade. Quando Sócrates diz que sabe que não sabe, a ênfase deve ser dada no "não sabe". E assim faz o cético humilde. O cético arrogante coloca todo o seu foco no primeiro "sabe". E assim, no seu niilismo dogmático, acredita que já sabe, antes de todo mundo, que ninguém soube nem sabe nem jamais saberá de nada.

Me parece muito pertinente fechar o texto com esse paradoxo de Sócrates, justamente por serem os paradoxos afrontas à lógica e a racionalidade, mas não me poupo de reafirmar que diante do irracional, do ilimitado, do inexplicável, do inexprimível, do inteligível, me parece muito mais elegante uma postura de humildade. Embora a arrogância e a vaidade nos queiram fazer sempre esquecer a segunda metade da frase, e dizer apenas: "eu sei" e olvidar o "que não sei de nada".

Esse assunto ainda poderia se alongar, poderia se discutir se o fato de não se saber, pode de fato esconder uma covardia, uma acomodação, algo que chamo de "ceticismo preguiçoso", por exemplo, já que não se pode saber de nada, eu não quero saber de nada mesmo.

O fato é que sabemos de algo; mas, na medida infinita das coisas que se há pra saber, esse algo que sabemos e sempre como nada. É como caminhar um caminho sem fim. Não há dúvidas que se caminha, como não há dúvidas que não se chega um centímetro mais perto do final.

E, por isso, sempre que se olhar pra frente, se mirar o horizonte, se vislumbrar o infinito, se perceberá que não se sabe. Mas sempre que se virar o pescoço e olhar pra trás, o tanto que já se caminhou, verá que alguma coisa se sabe. E se se olhar simultaneamente pra frente e pra trás, verá que se sabe e que não se sabe. E essa beleza é que é muito bela, e que me parece fazer todo sentido.

Para os preguiçosos, ou apressados, que apenas querem chegar ao fim, esticar a fita métrica e dizer: "é tanto". Realmente uma jornada dessas não é muito conveniente. Mas que valorizam o caminho que se caminha a cada passo, e não a chegada tão-somente, uma viagem dessas é a maior felicidade que se pode almejar.

18/02/2008

Perfeito

"Ao escrevermos, como evitar que escrevamos sobre aquilo que não sabemos ou que sabemos mal? É necessariamente neste ponto que imaginamos ter algo a dizer. Só escrevemos na extremidade de nosso próprio saber, nesta ponta extrema que separa nosso saber e nossa ignorância e que transforma um no outro."

(Gilles Deleuze)

19/01/2008

Versão

Uma adaptação de uma passagem bíblica que li no vidro traseiro de uma Kombi, de fato muito interessante.

"Mil cairão a teu lado, e dez mil a tua direita mas eu não serei atingido."

Filmes

que se deve re-assistir (em desordem de aparição e preferência)

1.Fight Club
2.21 Grams
3.Matrix
4.Land Of The Blind
5.Closer
6.AmoresPerros
7.Adaptação
8.Quero Ser John Malkovich
9.Huricane
10.A Última Ceia
11.Adivinhe Quem Vem Pra Jantar
12.A Vida é Bela
13.Declínio do Império Americano
14.As Invasões Bárbaras
15.Cidade de Deus
16.Carandiru
17.Amarelo Manga
18.Gandhi
19.O Gosto dos Outros
20.Os Sonhadores
21.Traffic
22.O Mercador de Veneza
23.O Auto da Compadecida
24.Dogville
25.Manderlay
26.OldBoy
27.Paradise Now
28.New Orleans
29.Meu Tempo é Hoje
30.Cinema, Aspirinas e Urubus
31.Cachê
32.O Cheiro do Ralo
33.Proibido Proibir
34.Bom Pastor
35.Winters Solstice
36.O Labirinto do Fauno
37.Bonecas Russas
38.Ânsia de Amar
39.Little Children
40.O Ano em que Meus Pais Sairam de Férias
41.Lavoura Arcaica
42.Um Estranho no Ninho (a flew over the cuckoo´s nest)
43.Laranja Mecânica (the clockwork orange)
44.Casa de Areia
45.Um Copo de Cólera
46.Princesas
47.Finding Forrest
48.Náufrago
49.Apocalipto
50.Pollock
51.Modigliani
52.Zelig
53.Amnésia
54.A Lenda de Beowulf
55.O Amor nos Tempos de Cólera
56.Sombras de Goya
57.A Vida dos Outros
58.A Bússola de Ouro
59. I Am Legend
60.Ratatouille
61.Os Inimigos do Império
62.O Conde de Monte Cristo
63.Sweeney Todd - The Demon Barber of Fleet Street
64.Feliz Natal
65.Asas do Desejo
66.No Country For Old Men
67.Whisky
68.O Passado
69.There Will Be Blood
70.A Lula e a Baleia
71.O Profissional
72.Reencarnação

16/01/2008

Tradições

Nos últimos meses Zeca Pagodinho gravou um samba com autoria de Moacyr Luz, Luiz Carlos da Vila e Aldir Blanc cujos versos dizem:

"O pai me disse que a tradição é lanterna
Vem do ancestral, é moderna
Bem mais que o modernoso"

diante disso eu escrevi, com meu amigo Rômulo Dias:

Atordoados estão
tantos salões na cidade
não pode ser de verdade
o samba que hoje se faz

Descoroados então
quantos barões, baluartes
pilares de toda a arte
de realezas reais

O samba que hoje se faz
possui durezas demais
nas sutilezas banais
vai-se esquecendo de tudo

O samba que ontem se fez
há de provar sua tez
há de provar de uma vez
que não se cala um surdo

E assim, o mestre-sala jamais cala seu sapatear
E já se fala de outras alas que vão retornar
ao samba de Ismael, Sinhô.

E assim, a minha escola que é Cartola e também Noel
Mostra na sola que essa é hora de ser bacharel
O falso menestrel findou.

14/01/2008

Ciclos

4 é mais que 2?



Há 15-20 anos atrás era de praxe ridicularizar os chineses, população milenar e vasta não só demograficamente como culturalmente, pela sua pobre frota de bicicletas frente às imponentes frotas de tetracicletas motorizadas bebedoras de derivados de combustíveis fósseis e eliminadoras de poluentes de países baseados no american way of life de consumo e nos modelos tayloristas e fordistas de produção, que não só os EUA, mas também Alemanha, França e Japão, para citar um último exemplo bem pertinho dos chineses.

Pois então, hoje em dia, depois de mais de um quarto de século de crescimento econômico beirando sempre o segundo dígito, a China alcança um dos jardins do sonho capitalista, qual seja: alta produção e consumo de veículos auto-motores.

E agora dizem pra mim e para os chineses que ser-humano avançado mesmo anda de bicicleta, automóvel é coisa de selvagens, povos bárbaros, esses tais de mongóis.

E assim caminha a humanidade, entre seus ciclos, onde, num instante, 4 é maior que dois e, noutro, 2 é melhor que 4.