24/10/2010

Gaia


"I´ll eat you up, I love you so"

Urano odiava sua descendência porque temia ser por ela sobrepujado. E, por isso, aprisionava seus filhos no ventre de Gaia (Terra), sua esposa. No que é uma referência a morte porque se refere ao enterro, mais uma vez sobre a ótica do devoramento.

Gaia, porém, instiga seus filhos a destronarem o próprio pai, e os libera de seu útero. No que é uma referência ao parto, sobre a ótica da regurgitação.

E, nesse mito, a imagem do devoramento-vomitamento encerra a temática cíclica de vida e não-vida, queda e redenção, morte e ressurreição.

E nossa vida é composta por ciclos de amadurecimento, verdadeiros batismos, ritos de passagens, onde morre o eu mais arcaico para que possa nascer o eu renovado.

Os homens, sobretudo quando crianças, enfrentam esse doloroso caminho em seu processo de crescimento e desenvolvimento.

wild thing


"there´s no such a thing like a king"

children are little wild:
ontogenic replicates philogenic?
any truth in Piaget?

23/10/2010

fausto refastelado

uma das conexões mais toscas de todos os tempos entre banquete e bacanal.

Não é um martelo


a criatividade do poeta (aquele que faz) busca sempre novos usos para as linguagens e ferramentas.

mas as linguagens, como as ferramentas, pelo uso, se desgastam.

mas as ferramentas, como as linguagens, sem o uso, obsoletam-se.

o segredo está em tornar os signos úteis - e a beleza possui utilidade -
sem torná-los banais.

mas para esvaziar um símbolo, para profanizá-lo, disso bem sabem os mass media, é melhor utilizá-lo até o paroxismo da exaustão do que censurá-lo e, assim, correr o risco de sagrá-lo.

christ thirst

"Fazei isto, todas as vezes que beberdes, em memória de mim."

"E, faltando vinho, a mãe de Jesus lhe disse: Não há vinho."






adam´s hungry - eve´s hands









and so on...
http://www.google.com.br/images?um=1&hl=pt-br&rlz=1R2ADRA_pt-BRBR385&biw=1345&bih=547&tbs=isch%3A1&sa=1&q=steve+jobs+holds+an+apple&aq=f&aqi=&aql=&oq=&gs_rfai=
eat



drink

16/10/2010

genialidades



dois maestros da narrativa:

o mais velho, que sumiu recentemente, com sua lusofonia portuguesa, destila sua maestria, ao tranferir a narrativa falada para a narrativa escrita, lançando mão de uma utilização extremamente genial dos sinais gráficos de pontuação.

o outro, mais novo, ainda conosco, se mostra mestre na arte de trasferir as narrativas grafadas para as narrativas cinegrafadas. Projeta em tela as imagens sugeridas pelas palavras com larga criatividade e com sua lusofonia brasileira.

O Sombrero e o Berimbau




Alejandro González Iñárritu e Fernando Meirelles.

Dois diretores de cinema latinos e atuais.

Ambos oriundos do universo publicitário. Onde angariaram certa fortuna.

Ambos, em filmes de estreia independentes e premiadíssimos, narram a violência urbana em seus recintos. Cidade do México em um caso, Cidade de Deus no outro.

E, depois disso, vão para Hollywood.

Alejandro tem, a meu ver, a vantagem de contar com roteiros originais em seus 3 primeiros filmes. Amores Perros, 21 Grams e Babel, todos escritos por Guillermo Arriaga, como quem, mais tarde, romperia.

Já os 3 primeiro filme de Fernando contam todos com roteiros adaptados, dos livros de Paulo Lins (Cidade de Deus), John le Carré (The Constant Gardener) e José Saramago (Blindness).

Mas a vantagem de Alenjandro, o roteiro original, se esvai no terceiro filme, quando a narrativa de Guillermo torna-se demasiadamente repetitiva e enfadonha. Ao passo que o terceiro filme de Fernando é uma adaptação suprema do livro de José.

Na minha arbitragem, México 2 x 1 Brasil. E a bola rola.

Roberto DaMatta no capítulo Sobre Comidas e Mulheres de seu livro O Que Faz do brasil, Brasil?

"Assim é que equacionamos simbolicamente a mulher com a comida..."

"o universo da comida permite integrar o mundo intelectual com o sensível."

"comer arroz com feijão, então, é misturar o preto e o branco, a cama e a mesa fazendo parte de um mesmo processo lógico e cultural."

"usamos a imagem pão pão queijo queijo para separar coisas, acontecimentos e pessoas, pois não haveria nada mais distinto que o pão (de origem vegetal e agrícola, que vai ao forno) e o queijo (de origem animal e que se fabrica por meio de um processo de fermentãção "natural").

"o fato é que as comidas se associam à sexualidade, de tal modo que o ato sexual pode ser traduzido como um ato de "comer", englobar, ingerir ou circunscrever totalmente aquilo que é (ou foi) comido. A comida, como a mulher (ou o homem, em certas situações) desaparece dentro do comedor - ou do comilão."

"Mas é básico continuar enfatizando que a comida (com suas possibilidades simbólicas) permite realizar um importante mediação entre cabeça e barriga, entre corpo e alma...Ora, é precisamente essa possibilidade de síntese e equilíbrio entre o olho e a barriga - a parte de cima do corpo e sua parte de baixo."

12/10/2010

Escrituras



"Gilgamesh respondeu: Querido amigo, querido irmão,
eu não posso matar Humbaba sozinho.
Por favor, fique aqui comigo. Permaneça ao meu lado.
Dois barcos amarrados juntos não afundarão.
UMA CORDA DE TRÊS DOBRAS NÃO É FACILMENTE QUEBRADA.
Se nos ajudarmos um ao outro e lutarmos lado a lado,
que mal pode nos advir?"
(Epopeia de Gilgamesh - Livro V)

"Porque se um cair, o outro levanta o seu companheiro;
mas ai do que estiver só;
pois, caindo, não haverá outro que o levante.
Também, se dois dormirem juntos, eles se aquentarão;
mas um só, como se aquentará?
E, se alguém prevalecer contra um, os dois lhe resistirão;
E O CORDÃO DE TRÊS DOBRAS NÃO SE QUEBRA TÃO DEPRESSA."
(Eclesiastes - Capítulo IV)

10/10/2010

Abertos



Já me disseram que samba é igual passarinho.

Penso que discursos são como balões: uma vez soltos é infrutífero que seu autor tente lhes controlar os rumos. O melhor é deixar que vão ao sabor estocástico dos sopros dos ventos.

Talvez haja os autores mais precavidos, que pensam seus discursos como pipas e querem sempre a linha a suas próprias mãos, mas há sempre cerol e outros linhas para lhes arrancar seus dicursos e deixá-los aos caprichos eólicos com rabiola e tudo.

Penso que essa é a noçao que Umberto Eco faz de "obra aberta".

O autor é nada mais que o gume que cinge o gomo, porém, incapaz de decidir que solos serão fecundados.

Mas saibamos sempre que os balões devem ser sempre soltos, as frutas sempre partidas; os arquivos, os armários, as fruteiras, as geladeiras, são como cemitérios.



"que tititi é esse
que vem da Sapucaí
tá que tá danado
tá cheirando a sapoti":

"chiclete eu misturo com banana"

Hegemônicos




Os discursos hegemônicos são devoradores.

Vide o discurso cristão que nos últimos 2 milênios contribuiu para a afirmação dos Impérios Romanos do Ocidente e do Oriente, a Norte, Nordeste e Noroeste do Mar Mediterrâneo, e que auxiliou os Impérios Espanhol, Português e Britânico em suas dominações sobre as Américas, África e parte da Ásia.

A ponto de Max Weber, em seu livro Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo, ter justificado o maior sucesso da hegemonia Inglesa frente à hegemonia ibérica, pelo fato dos primeiros serem protestantes, enquanto os últimos são católicos. E isso ressoa, hoje em dia, na Teoria Econômica Institucionalista que da mesma maneira justifica a hegemonia estadunidense frente à América Latina, Brasil e México principalmente.

Mas os discursos dominantes, por gulosos que são, vão sendo comidos pelas beiradas, com as releituras, sincretimos, reinterpretações. Como a relação, no Brasil, entre são Jorge e Ogum.

E me parece que a cozinha é um dos discursos mais resistentes que existem, vide a presença da culinária mexicana nos EUA e da africana por aqui.

Binários



O pensamento binário é que molda nosso discurso desde que nos entendemos por gente.

Seja nos conceitos de Bem e Mal que importam à ética e à política, Belo e Feio das artes e estéticas, Zero e Um das lógicas e probabilidades, presentes na teoria da computação e na mitologia africana, uma vez que búzios são bits; bem como nas noções de Vida e Morte que dizem respeito à biologia.

Além de muitos outros conceitos, como, por exemplo, cru e cozido; mel e cinzas, pinçados por Levi-Strauss. Positivo e negativo dos átomos e ímas.

E essas antinomias podem ser discretas, ou seja, estanques, oito ou oitenta, sim ou não, sem talvez, ou é ou não é. Mas também podem ser contínuas, ou seja, esfumaçadas, como os infinitos tons entre o branco e o preto.

E uma excelente figura para o pensamento binário é a arraia, pelo fato de na parte de cima ela ser escura e áspera e na parte de baixo ser clara e lisa, e, além disso, se observada de cima ou baixo se mostra roliça, porém, se vista de lado se revela esguia.

Outro excelente exemplo dessas dualidades que formam uma unidade é o símbolo que vem abaixo:


Yin-Yang, onde os dois contrastes, em circularidade, se envolvem e se abraçam

Ambivalentes



Para erigir sua muralha, ou para derribar a muralha alheia.

Todo instrumento é ambíguo: pode-se sentar na cadeira ou lançá-la nas costas do advesário, pode-se usar o trono para governar ou para tiranizar. Um machado de dois gumes pode cortar lenhas e pescoços.

O interessante é como, nas sociedades, as teconologias e as epistemologias dialogam, como nossas ciências e engenharias, ambas em sentido lato, recebem e fornecem umas às outras seus feedbacks.

Mas também é interessante notar que as linguagens funcionam como ferramentas, na medida em que servem como mídia para transformações. E as ferramentas funcionam como linguagens, na medida em que absorvem significados. Percebendo-se então que essa separação entre tecnologias e epistemologias é mera abstração conceitual.

"É impossível separar o humano de seu ambiente material, assim como dos signos e imagens por meio dos quais ele atribui sentido à vida e ao mundo. Da mesma forma, não podemos separar o mundo material - e menos ainda sua parte artificial - das ideias por meio das quais os objetivos técnicos são concebidos e utilizados, nem dos humanos que os inventam, produzem e utilizam. Acrescentamos, enfim, que as imagens, as palavras, as construções de linguagem entranham-se nas almas humanas, fornecem meios e razões de viver aos homens e suas instituições são recicladas por grupos organizados e instrumentalizados, como também por circuitos de comunicação e memórias artificiais."
(Cibercultura - Pierre Lévy)

Eu penso que, nos últimos dois séculos, desde a máquina a vapor e A Revolução Industrial até os computadores e A Revolução Digital, é a termodinâmica que tem estado no cerne tanto de nossas epistemologias, quanto de nossas tecnologias.

São as noções de energia, informação, realimentação, comunicação, metabolismo, entropia, elemento, sistema, interação e toda sua metodologia lógica, matemática e probabilística diante desses conceitos que tem moldado nossa sociedade e suas técnicas e culturas.

O próprio título do livro de Lévy, Cibercultura, é uma referência à Cibernética de Wiener, que, por sua vez, é o desenvolvimento informacional da termodinâmica, da cinética e da mecânica estatística.

E não só da física e da química inorgânca dos lasers, cristais e sistemas isolados, mas também e, talvez principalmente, da bioquímica, da química orgânica, da física da vida e dos sistemas abertos, que tem se erigido toda a nanotecnologia, biotecnologia, inteligência artificial, e seus conceitos de complexity, autopoiese, self organization, emergence, swarm intelligence, artifical life, cellular automata, e tantos outros que tem modificado nossa maneira de ler e escrever nosso mundo.

02/10/2010

Devoramentos


Saturno devorando seus filhos - Francisco Goya

Informe
(Ceci n´est pas une pomme)

a pantera-negra é laranja
a pantera-negra não come laranjas
a pantera-negra vê a laranja
embaixo das antenas
a pantera negra ouve a laranja
na madeira
na madeira que não é do galho
na madeira que era da árvore
e agora é madeira e mámore
no móvel sem raiz
a laranja engole a negra
pantera
por trás do bigode
a pantera é negra e quadrada
como o pomo que a come


Já discorremos diversas vezes nesse blog sobre a importância fundamental da alimentação, seja como ato fisiológico e termodinâmico de reenergização e manutenção imediata da espécie, seja como ato semiótico de comensalidade e confraternização.

A respeito da abordagem fisiológica temos todas as considerações da nutrição e da bromatologia, bem como a explanação etnológica de Richard Wrangham que demonstra como o gênero Homo evolui fisiologicamente e semioticamente a partir da cozinha, ou seja, do ato de cozer os alimentos.

E também temos a abordagem semiótica de Levi-Strauss, que, analizando mitos ancestrais, explica como se identifica, numa linguagem binária, o alimento cru com o estado natural e o alimento cozido como o estado cultural: vide o mel, que se come cru e que é naturalmente produzido pelas abelhas e a fumaça que é produto do tabaco culturalmente cozido e que serve como agente midiático em relação ao mundo espiritual.

Mas sabemos também que comer é assimilar. A presa (a comida) se doa completamente e é interamente assimilada pelo predador (o comedor). Portando o ato de comer e ser comido é também um diálogo entre o opressor e o oprimido.

A banana comeu o macaco. Uma frase gramaticalmente perfeita, no que tange às esferas da fonologia, da morfologia e da sintaxe. Temos um sujeito que age sobre um objeto. Porém, do ponto de vista semântico e pragmático, uma frase absurdamente estranha. Tão estranha como uma laranja que engole uma pantera, ou um tubo de elétrons (Marcelo Taz) que assimila um cérebro, ao invés de por ele ser assimilado.

E é claro que um assunto tão primordial como os devoramentos não poderia ficar de fora dos discursos epistemológicos, sobretudo dos discursos primevos, das narrativas fantásticas das mitologias.

Temos o exemplo do deus Cronos(Saturno), que, por medo e pavor de que seus descendentes o sobrepujassem, devora seus filhos um a um. Numa bela ilustração do conflito de gerações que está em vigência em todas as épocas. Vale lembrar que o próprio Cronos havia castrado seu pai Urano com uma golpe de foice.

Zeus(Júpiter), porém, conseguiu escapar de seu trágico destino, não foi completamente assimilado por seu passado, sua memória, sua tradição, sua ancestralidade, em poucas palavras, não foi devorado por seu pai Cronos, e, assim, destronou-o e tornou-se, ele mesmo, governador do Olimpo, ao libertar seus irmãos.

Entretanto, agora, como devorador e não mais devorado, passava a temer não o passado por trás de si, mas o futuro a sua frente, e, como seu pai e seu avó, passou a temer que as gerações vindouras o assimilassem completamente, e, assim, como seu pai e seu avó, fazia da novidade uma presa, por pavor que se tornassem os pedradores dele mesmo. Assim como seu avô Urano e seu pai Saturno, Júpiter temeu tornar-se caduco.
E como seu ancenstrais, por quem não quis ser assimilado, foi devorado por suas aflições.

Sabendo Zeus que a deusa Métis(Prudência) gestava um filho dele em seu ventre, deglutiu-a de uma só vez, para que ela não pudesse parir. Porém, passado algum tempo, sentindo fortes dores de cabeça, Zeus perimitiu que Hefesto(Vulcano) abrisse,com um martelo, sua cabeça, de onde brotou Atena(Minerva) a deusa da sabedoria.

E, ainda na mitologia grega, temos a imagem da Esfínge, importada do Egito e que diz: "Decifra-me, ou te devoro". No que poderíamos traduzir por "Assimila-me, ou te assimilo." ou então: "Coma-me, ou te como eu."

E não se pode olvidar o Mito da Caverna do Minotauro, que devorava os que se perdiam em seu labirinto.

"os sonhos decorrem da indisgestão" (ditado popular citado em Interpretação do Sonhos - de Sigmund Freud)

Os discursos fantásticos, as narrativas mitólogicas são corriqueiramente relacionados com a ilusão, o estado onírico, ficcional e inconsciente. E se, hoje em dia, as neurociências cognitivas identificam o cérebro como nossa CPU fisiológica, em tempos passados esse centro de processamento já foi indicado pelo coração, o que dizem ser a razão da expresão saber de cor(ação), e podemos dizer que até os nossos dias ainda muito se diz ser o coração o centro das emoções, principalmente as emoções relacionadas aos relacionamentos afetivos, como amor, paixão, ciúme.

Mas ainda mais remotamente, se identificava o sistema digestivo, principalmente estômago e instestinos como o centro de processamento dos nossos instintos mais primitivos(Roberto Jefferson), como aquela ânsia ou aquela excitação que nos abrem o apetite ou nos embrulham o estômago.

Talvez por isso a razão de ser do provérbio supracitado. E como já dissemos, o discurso mitológico se dirige com muita frequência ao desconhecido, ao inconsciente. E esse desconhecido muitas vezes assume a forma de uma figura. Como as entranhas do bucho de uma fera, os corredores gélidos de um labirinto, a escura umidade de uma caverna, o profundo embrenhar-se em matas fechadas, ou o longínquo navegar em mares abertos. Esses lugares estão muito presentes nas narrativas fantásticas. Aliados à noção de devoramento.

Todo herói possui uma missão, e essa missão muitas das vezes passa por exilar-se em terra estrangeira, cumprir um objetivo e retornar ao lar. Foi assim com Ulisses, foi assim com Eneias, foi assim com Orfeu, foi assim com Teseu. Que adentraram labirintos, cruzaram mares, atravessaram planícies, mergulharam nas profundezas dos oceanos, sempre correndo o risco de ser completamente assimilados pelos Outros, para completar a tarefa e retornar à pátria.

Saindo da antiguidade, e chegando ao medievo, podemos citar alguns dos contos compilados pelos irmãos Grimm, sempre com referências a exílios, retornos e devoramentos.

Podemos citar as lendas de Chapeuzinho Vermelho, que se embrenha na mata para levar um pote de doces em visita à avó, e corre o risco de ser devorada por um lobo, lobo que ja havia devorado sua avó.

João e Maria que também se embrenham na mata(abandonados por seus pais, que não mais tem condições de alimentá-los) para cumprir a mmissão de encontrar uma casa todinha feita de doces, e que, para poder regressar ao lar, vão espalhando um rastro de migalhas de pão que vão devoradas pelos pombos, e, assim, se perdem no desconhecido da floresta, e, por isso, correm o risco de ser devorados por uma velha bruxa, que os engorda até o ponto do abate. Espertos, porém, João e Maria prendem a bruxa dentro de seu próprio forno(o feitico contra o feiticeiro) e fogem levando providências suficientes para o resto de suas existências.

João Pé de Feijão que troca uma vaca por cinco feijões mágicos que fecundam o chão e cujos brotos gigantes o levam a um reino celeste de gigantes devoradores de humanos.

Branca de Neve que embrenha-se pela mata para evitar ser assassinada por sua madrasta, e que come uma maça envenenada oferecida pela própria madrasta, que estava em disfarce, porque esta tem a intenção de comer o coração daquela, e, assim, tornar-se bela como ela.

Rapunzel que foi trancafiada no alto de uma torre porque seu pai, antes que ela fosse nascida, roubou frutos do pomar de uma bruxa para que sua mãe os comesse.

E, ainda na idade média, temos as histórias, de Gargantua e seu filho Pantagruel, de autoria de Rabelais, que consistem em dois motológicos comedores, gulosos fasntásticos.

Já em nossa época, relembro com muito gosto, do filme O Labirinto do Fauno, direção do mexicano Guillermo del Toro, que narra fantasticamente o fato histórico da ditadura de franco na Espanha e da Guerra Civil que dela se origina. E que usa um sapo glutão que vive dentro do tronco de uma árvore, e que suga toda a energia desse vegetal com sua gulodice, como figura para o ditador e sua corja que usurpam toda a riqueza da nação. E a heroína usa a própria natureza devoradora do vilão para dar-lhe de comer o veneno que, para a árvore, funciona como antídoto. É a revolução social que derruba o regime nefasto e reestabelece a robustez da pátria, tudo isso dito pelas figuras e motivos dos devoramentos.

E ainda no mesmo filme, Ofélia, a menina heroína, adentra os cômodos de um monstro que, a exemplo da bruxa da floresta de João e Maria, oferece um vasto banquete às crianças que a visitam para depois devorá-las. O que nos diz que tudo o que é assimilado é, antes disso, seduzido.

Come-se o peixe que morde a isca. Para assimilar o(a) parceiro(a) é preciso seduzí-lo(a). Mestre e discípulo precisam seduzir reciprocamente para que possa assimilar-se um ao outro. Os seus espelho te devoram e te assimilam.

E saindo da época contemporânea e voltando a antiguidade judaico-cristã. Temos o famoso mito de Adão e Eva, que comem o fruto do conhecimento, em mais uma demonstração de que comer assim como conhecer é assimilar, e que por isso, são expulsos do paraíso.

Temos o mito de Jonas que é devorado por uma Baleia por ter se recusado a cumprir uma ordem divina e que, devorado por ela, vive em seu ventre por alguns dias, no fundo do aceano, até ser vomitado. E, em relaçao a esse mito bíblico, gostaria de mostrar um poema de Márcio-André:

Baleia

aqui do estômago desta baleia
a cidade é um cardume cintilante
e
a estátua de drummond tem as costas ao oceano –
[as estátuas são para os homens não para o mar]

cultivar um peixe por dentro
para um dia comê-lo

esperando uma mulher surgir da precisão da ossada

um dia somos felizes em nosso jardim cetáceo
e ela caminha suavemente ao meu lado
sonhando o domingo mais triste do mundo no subúrbio do
lado de lá

um dia estamos na meia idade e bebemos porque não há opção

e o guindaste no cais estará esmagado como um inseto morto
diante das mil falhas na goela das águas

o mar está na foto dos homens não no sonho das estátuas


Como não poderia deixar de ser, os mitos de devoramentos estão repletos de exemplos de canibalismo humano (antropofagia), que foram citados acima.

Nessas culturas canibais, acredita-se que, ao devorar o outro, detém-se sua qualidades; ao comê-lo, assimila-se suas virtudes. E por mais retrógrada que seja considerada a prática do canibalismo, não posso deixar de fazer menção honrosa ao mito cristão que vai representado pelo rito da Santa Ceia. Onde os cristãos comem a carne (figurada pelo pão) e bebem o sangue (figurado pelo vinho - suco de uva) de seu herói Jesus Cristo, na ânsia, na esperança, na vontade e no desejo de vir a ser como ele, na fome e no apetite de assimilá-lo cada vez mais.

E por fim, faço as citações ao filme The Silence of the Lambs, e ao canibalismo de seu vilão Hannibal.

E ao movimento Antropofágico da literatura brasileira, que tinha por modelo o devoramento de toda a tradição ocidental estrangeira, e a consequente regurgitação de uma literatura absolutamente e originalmente brasileira.