04/07/2009

Comer e Comer

Beijo seus seios.

Beijo
seus seios fora
de suas naturais utilidades

são como inúteis
seios fora
do período lactante

tão desnecessárias bocas
abertas
quando não há alimento

a boca moça madura inútil
baba
os seios murchos desnecessários moços


São muitas as semelhanças entre o ato de fazer sexo e o ato de se alimentar.

Sobretudo, são atitudes de extremo valor fisiológico. O sexo e a alimentação são a preservação das espécies. A alimentação a preservação imediata, come-se para manter-se vivo, e viva a humanidade através de ti. O sexo a preservação mediada, faz-se para trazer outrem à vida, e a humanidade viva através da sua descendência.

E participando de tamanha utilidade biológica, não é de espantar que tanto sexo como alimentação sejam atividades extremamente sinésticas. Me custa lembrar de outras atividades que envolvam todos os sentidos concomitantemente e em tamanho grau de êxtase e intensão.

Pois alimentar-se é o paladar e o olfato que percebem os alimentos, e por mais óbvios que sejam esses sentidos no ato da alimentação, não raras vezes se confundem. E por isso quando temos secreções a nos entupir as vias nasais e a nos interromper o sentido do olfato, julgamos que muitos alimentos perdem o gosto, o paladar. Na verdade, nada mais é isso do que nosso confusão sinestésica diante dos alimentos. Entre o que é cheiro e o que é gosto.

Mas além dos dois sentidos químicos, tão basilares no alimentar-se, também temos os demais sentidos se fazendo presente. Pois o vislumbramento do alimento pronto e disposto à nossa frente, bem como o contato do alimento com nossas mãos (reduzido pela civilidade dos talheres) e o contato do alimento com todo nosso sistema digestivo (lábios, língua, palato, dentes, garganta, etc) são a prova da importância da visão e do tato no alimentar-se.

Bem como o som do alimento sendo preparado e sendo mastigado e deglutido, por prazerosos que são, demonstram a importância da audição no alimentar-se.

E assim também se dá o sexo. Com a obviedade da importância do tato (reduzido pelo risco de doenças venéreas). E com a importância do ver, do ouvir, do cheirar e do provar. E não deixa de ser interessante que a palavra provar esteja associada à ideia de testar o paladar.

E sendo tarefas de primordial função biológica, não é de se espantar que tanto o sexo quanto a alimentação tenham sido elaboradas de maneira irresistível pela natureza. E também não é de causar espanto que sejam questões culturais de extrema importância.

Podemos dizer que a função de procriação do sexo e de reenergização dos alimentos foram bastante reduzidas em detrimento das funções sociais de ambos.

E se os homens não podem se livrar totalmente dos limites naturalmente impostos, se esforçam por imaginar, criar e recriar novos limites divinos, com inteligência, através da cultura.

Em diversas sociedades pagãs existiam orgias, com a magnificação do sexo e da alimetação em conjunto. Prova disso eram os bacanais, festas em ode ao Deus Baco, o Deus Greco-Romano do vinho.

Porém, atualmente, o sexo é visto como algo muito restrito, secreto, e, portanto, capaz de fomentar os maiores recalques. Estão aí os psicanalistas.

Já o ato de alimentar-se em conjunto, continuou muito disseminado nas culturas atuais. Prova disso são as importâncias dos banquetes, pique-niques, churrascos, feijoadas, e demais pratos e sobremesas típicos de diversas regiões ao longo do globo e de diversas épocas e estações ao largo dos anos. Não é de se espantar a estranheza que causa alguém a se alimentar sozinho.

E aproveito para indicar o filme "Estômago", produção brasileira, com João Miguel e Babu Santana. Que fala da importância da culinária e do poder que ela distingue em todas as esferas sociais. Bem como de suas sutis relações com o sexo.

E para finalizar, faço alusão ao fato de que, para diversas culturas mitológicas, somos feitos de terra, viemos dela, e para ela voltaremos. E é a fecundidade da terra que nos dá os alimentos para que permaneçamos vivos. E é a fecunidade dos homens que dá mais alimentos à terra, quando já não mais viverem.