13/06/2009

Cheiro do Ralo

"O Templo é sagrado porque não está a venda."
É bem conhecida a passagem bíblica em que Jesus, indignado, age de maneira intempestiva, a reprimir os comerciantes que se alojavam no templo.

E na esteira do pensamento binário e antinomial que acompanha a humanidade, uma das dicotomias mais presentes e intrigantes é a que se dá entre o Sagrado e o Profano.

E é interessante como o dinheiro é visto como o principal agente profanador, capaz de dessacralizar o mais sublime objeto.

Talvez, por isso, o conselho, em outra famosa passagem bíblica, que diz não se poder ter dois senhores. Ou Deus, ou Mamôn. Ou o sagrado, ou o profano. Ou o santo, ou o dinheiro.

A moeda sempre foi vista como algo moralmente sujo, um mal necessário. E a cobrança de juros, que é a forma de se fazer mais dinheiro a partir do dinheiro, era proibida na Antiguidade e na Idade Média. Cabendo essa tarefa suja, de emprestar a juros, aos judeus, que se lançavam a esse trabalho, uma vez que eram impedidos de realizar outras funções julgadas mais dignas. O Mercador de Veneza, de Shakespeare, esclarece bem tal situação.

Há a condenação à prostituição, que é ceder o corpo, que é templo, por dinheiro. A prática profana do sexo. Instigante é o silêncio em relação à escravidão.

E, por isso tudo, são bastante nevrálgicas as questões referentes a indulgências e dízimos.

Sabemos que o dinheiro pode comprar as coisas belas e úteis. Mas os valores que atribuimos às coisas é de fato bastante subjetivo.

Mas o valor que damos às coisas sagradas, esse é um valor inatingível. O dinheiro não pode comprar o que é sacro. E se o dinheiro compra, sacro não pode ser. Por isso a citação do provérbio oriental no princípio do texto.

Mas sagrado, para nós, pode ser qualquer coisa que não tenha preço. Uma mera fotografia, uma caixinha de jóias sem jóia alguma.

E daí a dura crueldade do personagem de Selton Melo no filme que dá nome a esse post. Ele nada mais é do que um profanador. Pessoas em desespero vem a ele, para vender o que lhes resta de mais sagrado. E ele as humilha, comprando por um baixo preço, ou, o que é pior, se recusando a pagar qualquer preço, por menor que seja.

Mas por outro lado, se contenta em pagar as maiores somas de dinheiro para ter o que acha importante. Seja a bunda, o sexo, um olho de vidro ou uma perna mecânica.

Se recusa a fazer sexo por amor. Um sexo sagrado. Quer comprar o sexo, pagá-lo, profanizá-lo.

E a sagrada figura paterna, ausente em sua vida, ele a compra, por partes, a prestações, para montar seu próprio pai, um robô profano.

Hermes x Afrodite

São contraditórias as teorias que afirmam uma predominância feminina na pré-história, mas não deixam de fazer certo sentido.

Interessante foi observar o depoimento de um componente de uma sociedade indígena que subsiste às cercanias do Mar da Prata.

Perguntado sobre o motivo por que são vedados, às mulheres, os segredos e ritos de passagem e iniciação. Sua explicação foi que no início o mundo era dominado por elas. Então, eles viraram o jogo. E mantinham tais práticas para manter tais privilégios.

O certo é que encontramos sociedades pagãs e politeístas que são patriarcais. Sendo a Grécia um exemplo muito claro.

Mas não é raro se dizer que foi o surgimento das religiões monoteístas que ajudaram a consolidar as sociedades machistas. A troca da divindade da Mãe Terra pelo Deus Pai.

O fato é que a linguagem poético-mitológica, empregada pelos antigos em suas cosmologias, é frequentemente assumida como uma linguagem feminina, por polissêmica que é.

E as 3 grandes religiões monoteístas basearam seus textos sagrados nesse tipo de linguagem. E por isso hoje sofrem ataques desenfreados da atual sociedade masculina, em busca de sua linguagem lógica, matemática, linear e sem ambiguidades.