29/05/2010

RitMoS




Apolo - Deus da Música (metonímia para Arte) e da Matemática (metonímia para Ciência). E do que possuem de semelhante: os ritmos e os padrões.

Apolo é identificado com o Sol, e, sendo assim, com o ritmo diário da rotina, bem como os padrões anuais das estações. É o Deus do ciclo. As funções trigonométricas são apolíneas.

Carrega, como sua irmã Artêmis, o arco, que é o símbolo da pesquisa, e carrega também, com sua lira, o lirismo, não só na música, mas na poesia, na rima, no ritmo da literatura.

A psicologia cognitiva nos indica que, sejam nas narrativas fasntásticas ou na programação algorítmica, o que o homem busca, no universo, são padrões. E quando padrões não há, forja-os.

A identificação de ritmos é requisito fundamental para feitura de previsões, e como Deus dos ritmos, Apolo é também Deus das profecias e adivinhações, o patrono do Oráculo de Delphos.

Pitágoras, matemático grego, devoto de Apolo. Diz-se que seu nome significa, boca de Apolo, diz-se mesmo até que foi ele próprio uma encarnação daquele. E reza a lenda que à descoberta de seu famoso teorema (o quadrado da hipotenusa é igual a soma dos quadrados do cateto num triângulo retângulo) ofereceu sacrifícios de reses em tributo ao Deus.

Os Pitagóricos louvavam o Sol a cada manhã. E foi Pitágoras que percebeu as estreitas relações entre Música e Matemática. A Harmonia.

Os gregos, porém, adoravam a simetria, por isso os labirintos lhes eram tão repugnantes. E foi essa gosto simétrico que regeu as epistemologias ocidentais por 2 milênios e meio.

Até que, em meados do século XIX e no século XX, surgem as buscas por padrões e ritmos assimétricos na Matemática e na Música.

Surgem, assim, na Música, as atonalidades do dodecafonimo de Arnold Schoenberg, como a instabilidade dissonante do bebop de John Coltrane e Charlie Parker.

E, na Matemática, é hora da Teoria do Caos de Edward Lorenz e também da Geometria dos Fractais de Benoit Mandelbrot. Modelos fundamentais para que Albert Einstein compreendesse o Movimento Browniano das partículas.

E diz-se que Einstein pensava matemática ao violino.

E não só na Matématica, e não só na Música, a descoberta da assimetria, mas também, com o cubismo, na pintura:

Violino e Vela - George Braque


Três Músicos - Pablo Picasso

15/05/2010

Amadorismo



Uma filme singelo, e bem interessante.

Aborda questões como elitização e popularização da arte, subjetivismo da crítica, profissionalismo e amadorismo, sacralização e profanação da obra, gosto baseado em conhecimento técnico e formal ou simplesmente o gosto instintivo e puramente emotivo, talvez até mais primitivamente estético.

Vale a pena.

13/05/2010

Manejos

Prometeu rouba o fogo de Vulcano e o entrega aos humanos - autoria desconhecida

Penso que é a mão que nos faz humanos.

Há uma forte simbiose entre a mão e o cérebro. Pois o manuseio exige um cébebro maior, mais evoluído, com cortexes mais robustos, com redes neurais mais intricadas. Mas o uso permanente das mãos exige o bipedismo, e este permite uma estruturação anatômica mais satisfatória para uma cabeça maior e um cérebro mais volumoso.

O fato é que tais manobras nos tornaram mais inteligentes, mais hábeis, mais sapiens

Naõ por acaso a importância da ferramenta nas mitologias e o motivo por que muito deuses portavam instrumentos. Sejam machados, martelos, espadas, escudos, arcos, lanças, flechas, espelhos, penas, livros, mouses, teclados, pilões, arados, rédeas, cruzes, bússolas, esquadros, compassos, relógios, agulhas, pregos, teares...

A mão faz o homem, o instrumento faz o artífice.

Mas mesmo assim o trabalho braçal nem sempre recolheu prestígios. Um torneiro mecânico como Presidente da República é algo que ainda porvoca certos comichões. A Grécia de Aristóteles, como outras aristocracias, via o trabalho manual como coisa para não mais que macacos. Ao intelectual bastava a reflexão, esta, talvez, bem ao estilo narcisista. Mas, fora isso, somos sabedores que o pensamento e a manipulação sempre dialogaram, a tão famosa binomia teoria-prática não pode ser melhor imaginada.

E assim como o homo erectus libertou o homo habilis, este, provelmente precedeu o homo loquens, e como certeza o sapiens sapiens .

Mais altaneiro, mais hábil e mais inteligente, o homem começou a tecer seus discursos, a explicar seu universo. E dentre todas as ferramentas eu gosto de crer que a tocha é a que merece maior destaque, pois o domínio do fogo, fato narrado com muito interesse pelas mitologias, foi crucial em nossa caminhada.

Não por acaso a sua luz representa o conhecimento.

E uma teoria arqueo-antropológica que vem sendo bastante discutida é a de que o fato de o homem ter passado a cozer ser alimentos, lhe deu um maior saldo energético nas refeições, uma vez que o alimento cozido requer bem menos gasto energético para a disgestão do que o alimento cru, não sei o que Levi-Strauss acharia disso. Mas assim sendo, mais energia sobrava para esse cérebro mais potente. E na medida que permitia o aumento da cérebro, permitia a diminuição do estômago, o que, anatomicamente, também foi muito interessante para a manutenção do bipedismo.

Sabemos agora a importância das panelas, e perguntamos: serão um dia os robôs tão bons cozinheiros.

E como bem disse Drummond: "Não nos afastemos muito, vamos de mãos dadas"

E como deuses criaram homens, com as mãos a modelar o barro, segue um belo exemplo de manuseio.

A Canção do Oleiro - Osmar Soares

I

Teu corpo macio
me convida a modelar o vaso.

Quando se assumirá
a forma final do meu amor?

(Das tuas palavras
não guardo recado)

A canção do oleiro
se dá no ritmo dos meus braços

Só minhas mãos
conhecem a rima da tua dor.

II

Teu corpo macio
me convida a modelar o teu desejo

Mas quando se assumiu
a forma final do teu desprezo?

Sobre a ola triste
gira triste o sonho do oleiro.

(Na minha voz
levo temor guardado)

Sobre a ola triste,
gira triste o sonho do amor.

Quando se dará
a forma final do meu recado?

Mas quando se dará
a forma final do meu amor?

Autismo

Metamorfose de Narciso - Salvador Dalí

Narciso é a imagem do fanático. A metáfora do que se fecha sobre si e não se atenta a qualquer tipo de contraditório. Não há valor em não ser como ele é. Não há beleza fora de seu espelho. Nenhuma verdade fora de suas reflexões.
Ele é certo, convicto e inflexível.


O Pensador - Auguste Rodin

O pensador, assim como Narciso, reflete, e na sua reflexão, apoia seu cotovelo esquerdo sobre seu joelho direito. Para provar que o pensar não é posição cômoda nem atitude convencional. Se contorce para nos dizer que a reflexão não é relaxamento. Mas por mais que se curve, com certa envegadura sobre si mesmo, ao refletir, o pensador mantém o queixo apoiado sobre o punho e, com a fronte altiva, contempla outros horizontes.

Já o narciso de Dali, a figura sobre a água e sob a luz, fecha-se completamente sobre si mesmo, apoiando sua cabeça sobre seu joelho e não contempla nada que não seja si.

E assim padece até a morte, sem jamais atingir o seu próprio paradigma. Sem jamais abraçar sua própria imagem.

Como Eco, a musa, sua discípula, que se limita a repetir tudo o que diz o mestre, e, também diante da incapacidade de alcançá-lo, definha até morrer.

p.s.:
1 - Mas, mesmo assim, não podemos deixar de notar que, para Dali, a reflexão de Narciso é uma mão à sombra, em terra firme, que segura um frágil ovo de cuja casca brota uma flor.

2 - Não podemos deixar de notar também que o Narciso de Dali é destituído de beleza. Mais se assemelha ao Grendel, o monstro gigante de Beowulf, repare a desproporção em relação aos humanos mais ao fundo da tela.

3 - Também temos que dizer que os fanatismos são múltiplos e variados. Há o fanatismo religioso do evangélico de vista curta, ou do mulçumano terrorista, mas também o fanatismo que se recusa a qualquer epistemologia que não seja a ciência moderna, seja ela a religião, a filosofia, a arte.

4 - E por último devemos nos atentar para a locução "reflexão inflexível" da qual Narciso padece. Pois o substantivo e o adjetivo possuem a mesma raiz: "flex", sendo que no substantivo o prefixo "re" nos da a noção de repetição, de um contínuo flexionar-se. Porém, o adjetivo que modifica esse substantivo chega a contradizê-lo, uma vez que o morfema vem antecedido pelo prefixo "in", que funciona como particula de negação, significando aquele que não se flexiona. Narciso reflete sem dialogar, e, sem envergadura, limita-se a se repetir.