26/03/2011

Lily Braun


Como num romance
O homem dos meus sonhos
Me apareceu no dancing
Era mais um
Só que num relance
Os seus olhos me chuparam
Feito um zoom

Ele me comia
Com aqueles olhos
De comer fotografia
Eu disse cheese
E de close em close
Fui perdendo a pose
E até sorri, feliz

E voltou
Me ofereceu um drinque
Me chamou de anjo azul
Minha visão
Foi desde então ficando flou

Como no cinema
Me mandava às vezes
Uma rosa e um poema
Foco de luz
Eu, feito uma gema
Me desmilinguindo toda
Ao som do blues

Abusou do scotch
Disse que meu corpo
Era só dele aquela noite
Eu disse please
Xale no decote
Disparei com as faces
Rubras e febris

E voltou
No derradeiro show
Com dez poemas e um buquê
Eu disse adeus
Já vou com os meus
Numa turnê

Como amar esposa
Disse ele que agora
Só me amava como esposa
Não como star
Me amassou as rosas
Me queimou as fotos
Me beijou no altar

Nunca mais romance
Nunca mais cinema
Nunca mais drinque no dancing
Nunca mais cheese
Nunca uma espelunca
Uma rosa nunca
Nunca mais feliz


Há mais de década comecei a descobrir o Chico, na primeira metade, foram diversas canções, livros, filmes, poemas, entrevistas, depoimentos, já na segunda, ando bem menos assíduo.

Entretanto, uma música vinha tocando com certa frequência no rádio do meu carro, já há alguns meses, e, na semana que passou, descubro que é autoria sua com Edu Lobo.

Muito apetitosas rimas em português, francês e inglês, deliciosas figuras de linguagem e versos como faces rubras e febris. As always.

Porém, o que mais me chama atenção nesta é a chave de ouro, o verso que fecha, não no sentido parnasiano. Num sentido mais moderno, buarquiano.

Nunca mais feliz

Pois dependendo da entonação e da interpretação esse verso pode assumir significados diametralmente opostos, antônimos.

Uma conotação extremamente pessimista: Nunca mais serei feliz como fui.
E outra extremamente otimista: Nunca fui tão feliz como sou.

O gênio do alter-ego feminino e dos caracteres suburbanos preenche uma frase com todas as ambiguidades da vida a dois.

Como amar esposa?

2 comentários:

Unknown disse...

É...não tem muito o que acrescentar.
Tá tudo escrito aí em cima.
Mais uma vez Chico dá uma aula.
Post bom pois chama atenção para o lado B do compositor, com a mesma competência do lado A.

Rômulo.

Bia disse...

O que seria das ambiguidades usadas por Chico se não existissem pessoas com a competência de percebê-las.
Gostei da análise!
Bjo