28/07/2007

Creonte, Manel, e a realeza

Vou-me embora pra Pasárgada
Lá sou amigo do rei
Lá tenho a mulher que eu quero
Na cama que escolherei
Vou-me embora pra Pasárgada

Vou-me embora pra Pasárgada
Aqui eu não sou feliz
Lá a existência é uma aventura
De tal modo inconseqüente
Que Joana a Louca de Espanha
Rainha e falsa demente
Vem a ser contraparente
Da nora que nunca tive

E como farei ginástica
Andarei de bicicleta
Montarei em burro brabo
Subirei no pau-de-sebo
Tomarei banhos de mar!
E quando estiver cansado
Deito na beira do rio
Mando chamar a mãe-d'água
Pra me contar as histórias
Que no tempo de eu menino
Rosa vinha me contar
Vou-me embora pra Pasárgada

Em Pasárgada tem tudo
É outra civilização
Tem um processo seguro
De impedir a concepção
Tem telefone automático
Tem alcalóide à vontade
Tem prostitutas bonitas
Para a gente namorar

E quando eu estiver mais triste
Mas triste de não ter jeito
Quando de noite me der
Vontade de me matar
— Lá sou amigo do rei —
Terei a mulher que eu quero
Na cama que escolherei
Vou-me embora pra Pasárgada.


O mote deste poema é a fuga, quer-se é ir-se embora nesse poema. Ir-se, nesse poema, para um lugar onde se é amigo do rei, onde se escolhe a mulher e a cama em que deitarão. Vai-se embora para Pasárgada porque aqui não se é feliz, e lá se será. Lá se tem a nora que aqui inexistente, e se se tem a nora, tem-se a mulher, tem-se a cama que se escolher. Pois se é amigo do rei, e parente distante da rainha. Parente distante, com quem não se briga, como um amigo.

Lá, não há tuberculose. E por isso, faz-se ginástica, anda-se de bicicleta, monta-se em burro brabo, sobe-se em pau de arara, nada-se no rio e só depois de tanto esforço é que se cansa, não se vive cansado como aqui. Mas lá, há a infância daqui, as histórias contadas aqui, que nos fazem querer ir pra lá, e levar tais lembranças daqui.

Pasárgada é um Império, uma civilização avançada, com anticoncepcionais extremamente eficientes, com comunicação extremamente eficiente, como entorpecentes e prostitutas com majestosa eficiência.

Mas que surpresa! Em Pasárgada também se entristece, também há noite em Pasárgada, e desejos de morte, talvez também haja tuberculose por lá, e talvez haja lá tudo daqui. Porque fugir é ir para outro lugar e nunca se consegue a liberdade. Mas o que será a liberdade? O que se importa é que se seja amigo do rei. Que se conquiste os privilégios. E que se viva triste mas privilegiado. Que se chore na jacuzzi, não na sarjeta. Isso é o que importa.

Agora pode-se perguntar. Por que ser amigo do rei, ao invés de se ser logo o rei de uma vez. Essa pergunta talvez possa te responder Creonte, contraparente do rei Édipo:

"acreditas que alguém prefira o trono, com seus encargos e perigos, a uma vida tranquila, se também desfruta poder indêntico? Por minha parte, ambiciono menos o título de rei do que o prestígio real; e como eu pensam todos quantos saibam limitar suas ambições. Hoje alcanço de ti tudo quanto desejo e nada tenho a temer. Se eu fosse o rei, muita coisa, certamente, faria contra a minha vontade. Como, pois, iria eu pretender realeza, em troca de um valimento que não me causa a menor preocupação? Não me julgo tão insensato que venha a cobiçar o que não seja, para mim, ao mesmo tempo honroso e proveitoso. Atualmente todos me saúdam, todos me acolhem com simpatia; os que algo pretendem de ti, procuram conseguir minha intersecção; para muitos é graças a meu patrocínio que tudo se resolve. Como, pois, deixar o que tenho para pleitear o trono? Tamanha perfídia seria também uma verdadeira tolice. Não me seduz esse projeto; e, se alguém se propusesse a tentá-lo, eu me oporia à sua realização."

Importam, portanto, que não se seja o rei, mas seu amigo ou contraparente; importa que se conquiste e mantenha-se os privilégios e que se mantenha longe as obrigações, assim se é triste melhor.

Foi o que me disseram Sófocles e Bandeira.

Nenhum comentário: