15/07/2007

xibuardiolã e a loucura

Andei pensando nos falsos cognatos, como a palavra "chair", por exemplo, que em inglês diz "cadeira" e em francês "carne". Mas há os cognatos que não são tão falsos assim, como a palavra "aimer" que em francês diz "amar, gostar, estimar" e a palavra "aim" que em inglês diz "almejar, intencionar, objetivar". Talvez possamos levar em conta um carácter mais romântico dos franceses e mais pragmático dos britânicos que trazem essa leve distinção de significados, que mesmo distintos, permanecem muito próximos. Vide os gregos com sua "philia" que diz "amar, gostar, estimar, almejar, intencionar, objetivar", p.ex.: "filosofia" que é amar, objetivar a sabedoria. Podemos admitir que os franceses, pelo menos nessa palavra, herdaram o carácter dionisíaco e os britânicos, como bons rivais e preservadores da dialética, herdaram o carácter apolíneo.

Outro falso cognato, mas nem tão falso, se faz entre as línguas portuguesa e francesa, com sua "folie" e nossa "folia"; para eles, loucura, para nós alegria. As festas, as músicas, os batuques, as danças, as cores, as alegorias; O Carnaval é loucura ou alegria?

"Vai passar
Nessa avenida um samba
popular
Cada paralelepípedo
Da velha cidade
Essa noite vai
Se arrepiar
Ao lembrar
Que aqui passaram
sambas imortais
Que aqui sangraram pelos
nossos pés
Que aqui sambaram
nossos ancestrais

Num tempo
Página infeliz da nossa
história
Passagem desbotada na
memória
Das nossas novas
gerações
Dormia
A nossa pátria mãe tão
distraída
Sem perceber que era
subtraída
Em tenebrosas
transações

Seus filhos
Erravam cegos pelo
continente
Levavam pedras feito
penitentes
Erguendo estranhas
catedrais
E um dia, afinal
Tinham direito a uma
alegria fugaz
Uma ofegante epidemia
Que se chamava carnaval
O carnaval, o carnaval
(Vai passar)

Palmas pra ala dos
barões famintos
O bloco dos napoleões
retintos
E os pigmeus do bulevar
Meu Deus, vem olhar
Vem ver de perto uma
cidade a cantar
A evolução da liberdade
Até o dia clarear
Ai, que vida boa, olerê
Ai, que vida boa, olará
O estandarte do sanatório
geral vai passar
Ai, que vida boa, olerê
Ai, que vida boa, olará
O estandarte do sanatório
geral
Vai passar"

Que alegria é essa onde os paralelepípedos da Avenida Rio Branco em suas reminiscências vêem os sambas imortais passando e se arrepiam por isso, e por isso e pelo ancestrais que ali também passearam os paralelepípedos sagram, dói-se o asfalto durante o carnaval para que os pés dos passistas permanceçam intactos. Que loucura é essa?

Que doença é essa que vem por direito? Essa epidemia fugaz e ofegante que acomete penitentes carregadores de pedras, erguedores de igrejas medievais, torres babilônicas, pirâmides egípcias, que vêem ao longo do ano sua pátria ir subtraída em transações tenebrosas, e os tranforma em ricos barões sem vale para marmita, em imperadores napoleônicos com duas mãos de tinta.

Vai passar essa loucura? Vai passar essa alegria? Que alegria é essa? Que liberdade é essa que evolui durante a madrugada no embalo dos surdos, caixas e tamborins e que morre quando nasce o dia? Por que na madrugada saem os loucos às ruas e os sãos, atrás das grades, assistem pela televisão?

Como pode cantar e dançar, como pode sambar esse povo? Que fantasias são essas? Como é que o canto brota no meio da opressão? Como é que nasce a flor apesar do ódio, do enjôo, do tédio, da náusea, do asfalto, dos paralelepípedos sem memória, sem imaginação, sem loucura, sem alegria?

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