25/09/2007

Mais

do livro: Martim Cererê; de Cassiano Ricardo
(obra-prima. obra rara.)

Coema Piranga

de primeiro no mundo
só havia sol mais nada
noite não havia

havia só manhã
uma manhã espessa
com a coroa de plumas
vermelhas à cabeça
só manhã no mundo

pois noite não havia
só manhã no mundo
sem nenhuma idéia
de haver noite nem dia

era tudo brasil
tudo era madrugada
não havia mais nada
todas as mulheres
eram filhas do sol
na manhã gentil

e os homens cantavam
que nem pássaros nus
pelos galhos das árvores
sem noite sem dia
porque só havia sol
noite não havia

no começo do mundo
tudo era madrugada
tudo era sol mais nada
tudo amanhecia
permanentemente
nem contínuo arrebol

sem ara nem pituna
sem noite nem dia
cantava o tié-piranga
num ramo do sol
sem nenhuma idéia
de uma noite haver noite
ou de um dia haver dia

mas dois frutos havia
e num deles morava
a Noite no outro o Dia
mas ninguém sabia
em que galho em que arbusto
é que a Noite estaria
e onde estava o Dia

não havia o medo
de perder a hora
ou contar-se um segredo
só havia sol se rindo
se rindo grande e real
como um ruivo animal
dentro do matagal

de primeiro no mundo
noite não havia
tudo era mesmo dia
que tanto sol que havia
era o tempo imóvel
não havia esta coisa
chamada noite e dia
só havia sol mais nada
noite não havia

só manhã no mundo
noite não havia

4 comentários:

Anônimo disse...

Seu post me lembrou a musica da cassial eller, segundo sol.

abstrato de tomate disse...

aquela música é bonita. composição do nando reis, se não me engano.

bjos, amor!

Anônimo disse...

O SEGUNDO SOL SERIA O FATOR DETERMINANTE DE TEMPO, POIS Á CADA VEZ QUE O PRIMEIRO SOL FOSSE EMBORA, O SEGUNDO SOL APARECERIA,LOGO O TEMPO NÃO SERIA IMOVEL.


PS: A COMPOSIÇÃO É DO NANDO E A CASSIA CANTAVA.

BJUSSSSSSSS!

Anônimo disse...

Cassiano Ricardo faz um intertexto com a passagem sobre a criação do mundo (Biblia) e utiliza metaforas para falar sobre os primeiros 300 anos do Brasil, onde o SOL são os índios, o DIA são os portugueses e a NOITE são os africanos. Maravilhoso.
Realmente esse poema é uma obra rara.