13/05/2010

Autismo

Metamorfose de Narciso - Salvador Dalí

Narciso é a imagem do fanático. A metáfora do que se fecha sobre si e não se atenta a qualquer tipo de contraditório. Não há valor em não ser como ele é. Não há beleza fora de seu espelho. Nenhuma verdade fora de suas reflexões.
Ele é certo, convicto e inflexível.


O Pensador - Auguste Rodin

O pensador, assim como Narciso, reflete, e na sua reflexão, apoia seu cotovelo esquerdo sobre seu joelho direito. Para provar que o pensar não é posição cômoda nem atitude convencional. Se contorce para nos dizer que a reflexão não é relaxamento. Mas por mais que se curve, com certa envegadura sobre si mesmo, ao refletir, o pensador mantém o queixo apoiado sobre o punho e, com a fronte altiva, contempla outros horizontes.

Já o narciso de Dali, a figura sobre a água e sob a luz, fecha-se completamente sobre si mesmo, apoiando sua cabeça sobre seu joelho e não contempla nada que não seja si.

E assim padece até a morte, sem jamais atingir o seu próprio paradigma. Sem jamais abraçar sua própria imagem.

Como Eco, a musa, sua discípula, que se limita a repetir tudo o que diz o mestre, e, também diante da incapacidade de alcançá-lo, definha até morrer.

p.s.:
1 - Mas, mesmo assim, não podemos deixar de notar que, para Dali, a reflexão de Narciso é uma mão à sombra, em terra firme, que segura um frágil ovo de cuja casca brota uma flor.

2 - Não podemos deixar de notar também que o Narciso de Dali é destituído de beleza. Mais se assemelha ao Grendel, o monstro gigante de Beowulf, repare a desproporção em relação aos humanos mais ao fundo da tela.

3 - Também temos que dizer que os fanatismos são múltiplos e variados. Há o fanatismo religioso do evangélico de vista curta, ou do mulçumano terrorista, mas também o fanatismo que se recusa a qualquer epistemologia que não seja a ciência moderna, seja ela a religião, a filosofia, a arte.

4 - E por último devemos nos atentar para a locução "reflexão inflexível" da qual Narciso padece. Pois o substantivo e o adjetivo possuem a mesma raiz: "flex", sendo que no substantivo o prefixo "re" nos da a noção de repetição, de um contínuo flexionar-se. Porém, o adjetivo que modifica esse substantivo chega a contradizê-lo, uma vez que o morfema vem antecedido pelo prefixo "in", que funciona como particula de negação, significando aquele que não se flexiona. Narciso reflete sem dialogar, e, sem envergadura, limita-se a se repetir.

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