12/06/2011

Timoneiro


não sou eu quem me navega
quem me navega é o mar

Costumamos a imaginar que cada ente ou fenômeno possui um guia. Um timoneiro que lhe dirige e conduz. Deus no Universo. Mente no Homem. Capitão no Navio. Sempre haveria uma inteligência dentro da máquina, uma consciência dentro da estrutura. Um homúnculo, uma glândula pineal.

Foi essa a noção que Wiener empregou ao nominar a episteme que desenvolvera. Cibernética, do greco-latino, governador. Máquinas autonômicas, com autoridade para governar a si mesmas.

Um porém, porém, é que a própria inteligência, a consciência mesma, também são estruturas, máquinas que, por sua vez, também teriam a necessidade de um sujeito a lhes conduzir o leme numa regressão ad nauseum, ad eternum, ad infinitum.

Entretanto, com a morte de Deus (Nietzsche), com a morte do Homem (Foucault) e com a morte do Autor (Barthes), advém a morte do Criador, e, portanto, o fim do governo que se centraliza num único sujeito. Assim, o Governador também morre.

E acontece que, nesse mar de informação que navegamos nowadays, é cada vez mais impensável a presença de um Argos ou de um Noé, a construir e conduzir a barca e a acolher a todos sobre chão, sob teto e entre muros.

Não há mais o Timoneiro, soberano. Os limites são outros, e cada um carrega seu remo em seus braços. Mas é um belo bater inútil. É muito mais forte a Maré. Nem eu me navego a mim e a ele, nem ele se navega a si ou a nós. Pois, o mar, é o mar, que está a nos navegar. São as multidões, as massas, as ondas, as nuvens, as tribos, ao humor do tempo e das tempestades que nos vão conduzindo.

Veja um formigueiro, é cada formiga que o governa e, portanto, nenhuma delas. Veja um sistema neurólogico, todo neurônio o dirige e nenhum dos tais se lhes sobrepuja. São todos peças importantes, porém, de forma alguma insubstituíveis. Desta forma, o organismo vai muito mais apto a superar eventuais perdas de quaisquer indivíduos que sejam.

Os quarks interagem e formam os átomos, os átomos interagem e formam as moléculas, as moléculas interagem e, no caso das biomoléculas, formam as células, as células, em interação formam os tecidos, que, interagindo, nos formam. E nós com todas as nossas interações iteradas, que estruturas, que máquinas, que entes, que fenômenos temos e vamos formando para além de nós mesmos?

O Sistema é o que importa, a Rede é o que interessa. Super-organismos atuando pela ação constante, concorrente, colaborativa, coperante e concomitante de seus elementos.

São os cardumes, as manadas, as revoadas, as abelhas, os gafanhotos, os vaga-lumes. Os cidadãos, nas praças cibernéticas, nos estádios virtuais, nos templos informáticos, que tem permitido o surgimento dessa super-estrutura cujas competências ainda estão por ser contempladas.

Da união vem a força, do conjunto, a inteligência, do grupo emerge a consciência. Ao mar, então, que nos navega. E que navega o nosso barco muito antes que sequer o pense o timoneiro. Nos navegamos todos, uns aos outros, assim seja, pois assim tem sido. A nos comunicarmos, a nos influenciarmos todos. E o caminho, a direção, está muito além do horizonte do sujeito mais previdente.

Interpretemos Sêneca positivamente, e saibamos que todos os caminhos servem àquele que não se preocupa aonde vai, àquele a quem importa apenas que vá, que navegue, que viaje, que percorra, ele consigo e com os seus.

O homem biológico encontra seu limite. A evolução cultural se acelera. O novo homem semiótico será toda a humanidade conectada. O Super-Homem será a Consciência Coletiva.

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